Manuela Silva - 17 anos
Manuela
Ajeito a mochila pesada no ombro enquanto subo o morro em direção à minha casa. De longe, avisto uma movimentação em frente ao mercadinho da esquina.
— Amiga, por favor, vai ser rápido! - Luiza tenta me convencer a ir com ela para uma festa aqui na comunidade.
— Às vezes, eu acho que você esquece do meu pai... - Respondo, revirando os olhos, lembrando do quanto ele é rígido, controlador. E que mesmo preso, faz questão de saber cada passo meu. Não aceita nenhum vacilo.
— Você precisa viver um pouco, conhecer gente nova! - Ela insiste, com aquele tom de voz que já sei que não vai desistir fácil.
— Neste momento, só preciso chegar em casa e tomar um banho. - Digo, sentindo o sol quente queimando a minha pele enquanto passo a mão pela testa para afastar o suor. Levanto o olhar para o outro lado da rua e vejo um grupo de bandidos sentados em frente ao bar, rindo e conversando alto.
Apesar de morarmos na mesma rua, só me aproximei de Luiza na escola, há alguns anos. Desde então, ela se tornou minha única amiga, e a única que meus pais aceitam. Isso porque, de alguma forma, ela conseguiu ganhar a confiança, algo raro.
Meu pai está preso há mais de 10 anos. Faz tanto tempo que não o vejo, que nem lembro mais como é o calor de um abraço dele. Mesmo com minha mãe nunca faltando às visitas no presídio, ela nunca quis me levar. Diz que o ambiente não é para mim, mas eu sei que tem mais coisa nessa história. E é por essas e outras que ele continua a ser a sombra da minha vida. Pois pode estar atrás das grades, mas isso nunca impediu que ditasse as regras. Eu sou o ponto fraco dele, e ele faz questão de lembrar isso a todos, ele é super protetor quando se trata de mim e da dona Letícia. Nunca falha uma ligação, sempre exigindo saber de cada detalhe da minha vida.
Sei que meus pais têm um passado conturbado, uma história antiga, amor de adolescentes que quase não sobreviveu ao fato de meu pai ter se afundado no crime e a família da minha mãe nunca ter aceitado o relacionamento. Mas ela sempre o escolheu, por mais que ele tenha feito escolhas erradas, mesmo brigando muito, principalmente agora, mas, de alguma forma, permanecem juntos.
O barulho de uma moto me tira dos meus pensamentos. Ela se aproxima dos caras que estão ali. Um homem alto, forte e cheio de tatuagens desce da moto, e troca algumas palavras rápidas com eles. Depois, entra no bar sem hesitar.
Fico observando enquanto ele se senta em uma mesa, rodeado por alguns homens. Seu rosto, embaixo do boné vermelho, me chama atenção. O maxilar é rígido, os lábios se movem com firmeza conforme ele fala, é hipnotizante, olhos concentrados. O cordão de ouro no pescoço e o relógio brilhante no pulso chamam atenção de longe. Meu olhar desliza por todas as tatuagens que cobrem seus braços e peito.
Um arrepio percorre minha espinha quando ele se vira e me encara de volta. Sinto meu estômago revirar e desvio o olhar rapidamente, fixando os olhos no chão. Continuo andando, sem coragem de olhar para trás, mesmo sabendo que ele ainda está me observando.
Seu olhar... É estranho o que reflete, algo em sua presença me deixa inquieta, uma sensação nova, quase incômoda. Ele exala poder e mistério, algo quase intimidante. Nunca o vi antes, e me pergunto por que seus olhos me atraíram tanto. Quem é esse homem?
— Manu, tá me ouvindo? - Luiza me puxa de volta para a realidade.
— Tô sim, Lu. Prometo que vou pensar no seu convite. - Respondo, sabendo que ela vai continuar insistindo até que eu aceite. — Te mando uma mensagem à noite. - Digo assim que chegamos em frente à casa dela.
Entro na minha casa, e o cheiro delicioso de comida feita na hora invade minhas narinas. Caminho até a cozinha, onde encontro minha mãe, de costas, discutindo no telefone. Provavelmente com meu pai. Eles sempre brigam, mas ultimamente, as discussões têm sido mais intensas, carregadas de algo que eu não consigo entender. Assim que percebe minha presença, ela desliga, com o rosto ainda vermelho de raiva.
— Seu pai é um filho da puta! - Ela solta irritada, batendo o telefone com força na mesa. — O almoço está pronto.
— Mãe, será que eu posso sair esse final de semana? - Pergunto, torcendo para que ela diga um não. Parte de mim quer ficar longe de confusão.
— Manuela, você sabe como seu pai é... - Ela responde, colocando a comida no meu prato, sem me encarar. — Ele não gosta que você saia, e você sabe disso.
— Eu vou com a Luiza, mãe... - Insisto, tentando parecer interessada.
Ela para por um momento, os olhos fixos no prato de comida. O silêncio se estende, criando uma tensão no ar.
— Não se mete em problema, tá bom? - Ela finalmente responde, mas o tom dela está distante, como se estivesse pensando em outra coisa, meio desconfiada, mas confirma com um aceno. Eu apenas balanço a cabeça, começando a comer em silêncio, tentando ignorar o clima pesado que sempre parece surgir quando o assunto é meu pai.
Ainda me pergunto o que eles estavam discutindo dessa vez, mas sei que, se perguntar, minha mãe não vai me contar nada. Eles sempre têm segredos, e eu sempre fico de fora. Algo no jeito dela, tão cheia de raiva, me deixa com uma sensação estranha, como se realmente tivesse algo que eu ainda não entendo completamente. E meu pai, mais uma vez mesmo de longe, continua controlando tudo. E algo me diz que essa briga entre eles vai além do que eu consigo ver.
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Em Suas Mãos (Degustação)
RomanceUma história de poder, paixão e segredos perigosos. Após 10 anos preso, Falcão está determinado a retomar seu controle sobre o morro, mas seu plano é ameaçado por uma atração inesperada e proibida por Manuela, uma garota muito mais nova. O que ele...