Meus olhos seguiam as crianças, enquanto elas brincavam no pátio na hora do recreio. Eu vi todas as menores brincando juntas, até Mila Ritter estava estava jogando com umas duas meninas mais velhas, mas uma pessoa me chamou atenção: o garoto de no máximo 8 anos, mantinha-se sentado em um tronco de árvore, encarando as outras pessoas, alguns amigos, vieram chamá-lo para brincar, mas o vi negar de forma vaga e distraída. Foi um vislumbre de um momento e eu simplesmente senti que deveria ir lá. Levantei, meus passos sendo pesados na grama, deixando uma marca cada vez que meus calçados encontravam o chão.
Eu ainda pensava demais, mesmo assim, cheguei diante do garoto e a sensação de paz invadiu meu peito. O menino demorou para notar minha aproximação, levantando a cabeça para mim depois de alguns segundos, seus olhos tinham uma espécie de súplica, ele piscou, tentando me reconhecer, mas depois de lembrar quem eu era, deixou um espaço para que eu sentasse.
Sentei-me ao seu lado, ele balançava as pernas de forma ansiosa, enquanto observava o restante das crianças brincarem. Eu só precisava agir como eu mesma, embora isso normalmente não pareça uma boa ideia. Suspirei, o garoto me imitou.
— Por que está aqui sozinho? — questionei. — Quer dizer, todas as outras crianças estão brincando. — Ele soltou outro suspiro, como se estivesse lutando contra a verdade.
— Estou triste — respondeu simplesmente.— Alguém te fez alguma coisa?
O silêncio se estendeu, e por um momento, entendi que estava sendo muito insistente, fiz menção de me levantar, porém o garoto me encarou.
— Para onde vai?
— Não quer ficar sozinho?
Ele negou, então, voltei a sentar, seguindo seu olhar para o casarão, o menino parecia com expectativa, como se quisesse muito que algo saísse daquela porta, mas o quê? Ou quem? Seria um parente? Um amigo? Eu não sabia dizer, e não queria perguntar, apenas fiquei em total silêncio e podia ter certeza que a criança aproveitava e aprovava isso, igual a todos seus desejos fosse encontrar um adulto que não quisesse saber demais.
Ele continuou encarando aquela porta de forma tão intensa que foi agoniante. Eu seguia seus olhos, acreditava que estava olhando da mesma forma. Eu comecei a sentir ansiedade por ele, e quando vi, sua pequena palma estava sobre o tecido do vestido, no joelho. Olhei para a criança, até notar que provavelmente estava balançando as pernas, uma das várias manias que ganhei durante os anos. Manias irritantes e que não me levam a lugar nenhum. Sorri na sua direção e fui presenteada com um sorriso de dentes amarelos. Os olhos escuros dele continuavam fixos na porta, esperando. A cada segundo, fiquei mais curiosa para saber o que ele tanto esperava. Eu não quis perguntar diretamente, então, apenas continuei o assunto anterior.
— Porque você está triste? — perguntei, os olhos do menino pareceram lacrimejar, como se algo muito ruim estivesse lhe afetando.
— Ele prometeu.
— Quem?
— Ele prometeu — repetiu, olhando para baixo, focando nos próprios pés balançando, ele prometeu… isso era vago, mas do mesmo modo, senti um impacto no meu coração. Senti-me aquela pessoa em 1940, esperando minha mãe voltar, como se não soubesse o fim que ela tinha levado. Balancei a cabeça para afastar meus pensamentos, afastar aquela dor que gruda em meu peito, transformando meu coração em completo caos. Eu pensei em dizer ao menino que seja quem for, iria voltar, mas eu não podia garantir e não queria que meu primeiro ato com as crianças daqui fosse mentir. — E você? Porque está triste?
Pisquei na sua direção, sem saber o que responder, minha garganta travou, eu poderia desabar e colocar a responsabilidade em uma criança, como uma adulta amargurada e babaca, porém eu não conseguia ser como as pessoas que me feriram, acho que isso é bom, não?
Eu divagava muito quando estava perto de dormir, como fazia algum tempo que não conseguia descansar, estava quase delirando. Meu medo, minha tristeza, tudo isso se misturava em uma alucinação e em teorias. Até a ansiedade se transformou em algo pior do que era antes. Um fio de eletricidade passou pelo meu corpo, arrepiando-me, dando uma sensação terrível. Meu coração palpitava, ainda deixando a criança sem resposta.
— Porque ninguém voltou — respondi, sabia que tinha sido cruel, sabia que talvez o menino entendesse isso como um fim para quem esteja esperando —, mas agora… agora tenho uma nova família e você também — falei, hesitando em levantar a mão para passar em seus cabelos. O garoto apenas encarou o chão, então desisti do contato físico.
— Gianni Coppola — apresentou-se, olhando na minha direção.
— Verena Finkler — falei, ele concordou, como se já me conhecesse. Seus olhos piscaram.
— Eu não sou como você e as outras crianças…
— O que quer dizer com isso? — perguntei.
— Eu não sou especial como vocês
— Todos somos especiais, Gianni — retruquei. Você se acha especial, Verena?
— Você acha? Mesmo que eu não seja igual? — quis saber, engoli em seco, claramente não esperava por isso, mesmo assim sorri. Um sorriso animado ou o melhor que eu poderia dar.
— Eu tenho certeza, pequeno.
Pela primeira vez, consegui vislumbrar um leve sorriso no seu rosto, o garoto estava triste, evidentemente, mas aqueles pequenos lábios repuxados em um canto dera uma esperança para o próprio e para mim.
— Você devia tentar brincar.
— Mas… — Gianni se interrompeu, olhando uma última vez para a porta dos fundos, lutando contra algo dentro de si, depois levantou e começou a se misturar com as crianças, o garoto que tinha chamado-o para brincar inicialmente, sorriu ao ver o amigo se aproximar, depois o integrou na brincadeira, junto a Mila. A representante que possuía uma tala de madeira e ferro na perna brincava devagar e os outros seguiram seu ritmo.
Meu olhar vagou para o casarão, onde Markus estava passando em uma das janelas, o homem parou e encarou-me com um sorriso no rosto.
“[..] é que seus olhos me fazem sorrir.”
Logo depois de alguns segundos, voltou aos seus afazeres, com papéis nas mãos, Evans passava várias vezes pela janela. Eu sorri, passei anos presa, não apenas no Campo de Concentração, mas na minha própria mente. Eu entendi minha mãe, no momento que ela já não estava mais aqui, quando precisei olhar para minha irmã mais nova e contar que mamãe tinha sido pega, naquele dia, notei que havia puxado a covardia do meu pai, o homem que devia estar lá e simplesmente não estava.
Quando somos crianças, fazemos planos para o futuro, e quando cheguei aos meus 20 anos, não sabia se teria um futuro e todos meus planos foram simplesmente jogados no lixo, como desenhos sem utilidade: amassados e rasgados, até não restar mais nada. Segurei com força meu colar, eu prometi à minha mãe que ela me veria no pódio das Olimpíadas, mas hoje, já não havia sentido. Tantas promessas… jogadas, quebradas, dilaceradas.
Busquei novamente encontrar Markus, buscando um pouco de conforto em um desconhecido, senti-me uma idiota, na verdade, venho me sentindo assim desde que aceitei a proposta daquele senhor britânico.
— Você é especial, tem que ficar com pessoas iguais a você.
Foi isso que Hitler pensou, não é?
Respirei fundo, Evans parou de andar, encarando alguma coisa na sua sala. Seus olhos brilhando em prateado, eu não queria encará-lo de forma intensa, mesmo assim, Markus puxava meu olhar, de alguma forma gostaria de agradecê-lo, mas não conseguia… ou talvez eu pudesse ajudar em algo, quem sabe, lhe dar um presente, mas do que Mark gostaria? Só havia duas pessoas para me responderem isso: Val e Vanda.
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Entre Guerras
Fiksi SejarahA Segunda Grande Guerra foi marcada pela brutalidade, sangue derramado de inocentes e pelos Campos de Concentração. Verena Finkler, depois de ter sido resgatada e experimentado novamente a liberdade, vai para uma pequena cidade da Alemanha, chamada...