Raul esperou que as crianças tivessem ido para a escola e Gilda estivesse concentrada, arrumando a cozinha, para tirar uma mala do closet e guardar nela todas as suas roupas — ou, pelo menos, aquelas que couberam.
Ele organizou tudo rapidamente, dobrando as roupas de qualquer jeito e jogando os pertences dentro da mala sem muita atenção. Seu coração estava pesado, e cada peça que ele guardava parecia levar consigo um pedaço da vida que ele estava deixando para trás.
Ele olhou ao redor do quarto. Tudo estava em seu devido lugar. A cama estava feita do jeito que Lorena gostava, com os travesseiros organizados milimetricamente. O perfume que ela costumava usar para ir trabalhar ainda pairava no ar. Tudo parecia normal, mas ele sabia que nada mais seria o mesmo dali para frente.
Respirou fundo e fechou a mala. Pegou o celular e olhou para a tela, mas não havia nenhuma mensagem dela. Nenhuma segunda chance. Nenhuma dúvida.
Raul passou as mãos pelo rosto, tentando conter a frustração. Ele queria dizer alguma coisa, queria se explicar, mas sabia que qualquer tentativa seria em vão. Lorena já havia decidido.
Ao sair do quarto, desceu para o primeiro andar e certificou-se de que Gilda estava distraída na cozinha, antes de atravessar a sala em silêncio. Quando colocou a mão na maçaneta, sentiu uma pontada de hesitação.
Então era isso? Ele simplesmente sairia pela porta e seria como se nunca tivesse vivido naquela casa? Como se nunca tivesse feito parte da família?
Engoliu em seco, apertou a mala com força e, sem olhar para trás, abriu a porta e saiu para a garagem.
Na garagem, a primeira coisa que notou foi a ausência do carro de Lorena. Ela já havia ido para a clínica e o fato de que não estaria ali quando ela voltasse, perturbou Raul.
Ele caminhou até a BMW, que continuava coberta por uma capa, e a descobriu de uma vez, deparando-se com um baita amassado na parte dianteira.
Raul franziu a testa. O estrago era grande, e ele não se lembrava de ter visto aquele amassado antes.
Passou a mão pelo capô amassado, tentando entender o que tinha acontecido. Só uma pessoa poderia tê-lo batido: Bernardo.
O significava que...
Seu coração acelerou. Será que Lorena sabia e não contou nada? Será que estava escondendo isso dele?
A ironia da situação fez Raul rir baixo de uma maneira amarga. Ela o expulsava de casa por uma suposta traição que ele não cometeu, mas, pelo visto, não era tão transparente quanto cobrava dele.
Respirou fundo. Não queria mais discutir, não queria mais procurar motivos para prolongar aquele sofrimento. Mas, mesmo assim, pegou o celular.
Abriu o WhatsApp e ficou encarando o contato de Lorena. O que diria? "O Bernardo bateu o carro?" "Por que não me contou?" "Engraçado que eu sou o mentiroso, mas você esconde as coisas também?"
Nenhuma mensagem parecia valer a pena.
Desistiu. Guardou o celular no bolso e cobriu a BMW novamente. Não iria embora nela. Até porque, havia sido um presente de Lorena e não queria levar consigo algo que ela poderia reclamar de volta depois. Olhou para o outro carro. Aquele também havia sido comprado por Lorena e dado a ele depois que ela comprou um novo.
Raul soltou um suspiro, sentindo o peso daquela constatação. Tudo que ele possuía agora, dentro daquela casa, tinha vindo de Lorena. Até o carro que dirigia. Talvez, até algumas roupas que estavam dentro da mala.
Ele não tinha nada — ou quase nada — que tivesse sido obtido pelo seu próprio esforço, sem a influência dela.
Sentiu uma onda de frustração e vergonha. Não por precisar de ajuda — ele já passara por momentos bem piores — mas por ter se acomodado sem perceber. Quando foi que começou a aceitar, sem questionar, que tudo ao seu redor pertencia a Lorena?
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Amor de Pai - Em Andamento ⏳
Spiritual[O MALABARISTA - PARTE 2] Raul deixou para trás a vida nas ruas e, agora, tem um lar para chamar de seu - um lar onde encontra as pessoas que mais ama. Enquanto seus sonhos começam a tomar forma, ele descobre que o caminho para realizá-los é cheio...