Tambores

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A neve caia incansavelmente naquele inverno, era o meu decimo oitavo inverno como pai e eu não podia estar mais orgulhoso de minha prole. Beatrix crescia a cada dia mais bonita e esperta. Ela tinha escolhido vestir as cores de Freya e se tornar uma de suas sacerdotisas, devo dizer que isso deixou todos os jovens de nossa aldeia tristes, mas nem o lamento deles tirou a determinação de Trix (e confesso que isso me deixou feliz).

Era o dia da sua consagração como sacerdotisa de Freya, a vila toda estava em festa e enfeitada com as cores em honra a deusa do amor, quando ouvimos os primeiros tambores de guerra rasgando o ar e tomando conta da vila. Logo os gritos de terror e tilintar do aço das armas e armaduras se fizeram ouvir enquanto as mulheres e crianças corriam para os esconderijos e os guerreiros se armavam para receber nossos invasores, mas no meio de toda essa correria e confusão, eu só pensava em proteger a minha família. Eu sei que esse não é um pensamento digno de um líder, mas nada me importava mais do que a minha esposa e filha. Por isso, antes de correr para liderar os guerreiros, eu me vi correndo em direção a minha própria casa, rompendo porta adentro gritando pelas minhas mulheres.

 - Islä, Beatrix. Islä, Beatrix... - A cada novo chamado o desespero se apoderava ainda mais de mim, a cada nova porta que eu abria o medo me dominava e eu suplicava aos deuses para encontrá-las. - Onde vocês estão...

Abri a porta do quarto de Trix em um rompante, temendo não a encontrar ali, mas para a minha sorte ela dormia tranquila alheia ao desespero que começava a tomar conta de nossa vila.

- Acorde! Acorde! - a minha voz angustiada a fez pular da cama e aos poucos eu a vi saindo de um sono tranquilo para a realidade de caos e medo que estava a aldeia. - Vamos tytär, você tem que correr!

- Pai? O que está acontecendo?

- Onde está a sua mãe?

- Ela me acordou antes do sol e disse que iria ao templo de Freya preparar tudo para a cerimônia.

- Perfeito! Agora levante, você precisa correr, não temos tempo.

Eu via as interrogações em sua mente e eram as mesmas que permeavam a minha. Como uma ilha tão distante e de pessoas tão pacatas poderia estar sendo atacada? Será castigo dos Deuses? Freya estava vindo se vingar deles por terem abandonado o seu templo? Ou será que a vingança era sobre ela? Mas eu não lhe dei muito tempo para pensar, lhe entreguei sua capa vermelha e a abracei forte.

- Estamos sendo atacados. Você precisa sair da vila. Corra, corra como se o próprio Loki estivesse atrás de você montado em Fenrir. Vá pela floresta e se esconda no antigo templo de Freya. Quando tudo se acalmar eu vou te encontrar. - Beijei a testa da minha filha e afaguei os seus cabelos ruivos, com o gosto amargo na boca, a sensação de que era a última vez que a via com vida nublava a minha mente. Apesar de toda a minha pressa para salvá-la da batalha que estava à espreita, eu me dei o privilégio de a observar uma última vez. E se não fosse os olhos azuis iguais aos meus, ela seria uma cópia perfeita da mãe, com seus longos cabelos ruivos, pele alva, corpo esguio e traços finos. - Agora vá e se proteja.

- Mas pai... Eu, eu posso ficar e te ajudar! Sou mais do que uma escudeira. Você sabe. - No fundo, ela sabia que nunca mais iriamos nos ver. Eu podia ver essa convicção em seu olhar triste e tenho certeza de que era reflexo do que ela via no meu.

- Não discuta comigo menina, agora vá! E caso o inimigo cruze o seu caminho, lute como uma valquíria.

Eu a abracei uma última vez e lhe entreguei uma adaga de prata, rezando aos deuses que aquela arma fosse suficiente para proteger a minha menina do mau que batia em nossa porta. 

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