IV - Eu não quero saber muito.

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— O que as crianças são suas? — a recepcionista perguntou, sem levantar os olhos, concentrada em preencher a ficha dos dois. A caneta deslizou pelo papel de maneira quase mecânica, como se ela nem esperasse uma resposta incomum.

Eu franzi a testa ao ouvir a pergunta, uma pequena linha de desconforto surgindo entre meus olhos. Embora apenas o pequeno estivesse visivelmente doente, decidi que seria mais prudente que ambos passassem por uma avaliação completa. O mais velho parecia magro demais para a sua altura e idade, e, por algum motivo, isso me incomodava mais do que eu esperava.

Mas agora, diante daquela pergunta, eu sabia que estava em um terreno delicado.

Bom, pensei, é nesses momentos que agradeço aos deuses por terem me presenteado com uma mente afiada. Responder de maneira inadequada poderia criar mais problemas do que eu estava disposta a lidar. Se dissesse que eram meus filhos, amanhã haveria uma manchete escandalosa na Page Six sobre a "surpresa maternal" de Miranda Priestly, e isso seria um incômodo desmentir. Se optasse por dizer que eram parentes da minha segunda assistente, com certeza começariam a especular, e, eventualmente, alguém descobriria meu envolvimento com Andrea. E, claro, mentir dizendo que eram desconhecidos? Bem, isso me faria parecer uma sequestradora de crianças.

Um suspiro resignado escapou dos meus lábios, pesando mais do que eu gostaria. Minhas opções eram limitadas, mas a verdade, de certa forma, poderia ser moldada a meu favor.

— São meus sobrinhos — disse, com uma tranquilidade ensaiada, a frase saindo quase de forma natural. Era a saída mais segura, uma pequena mentira que poderia proteger a todos, especialmente a mim.

A recepcionista assentiu, sem sinal de questionamento, apenas continuando com a ficha. Ótimo, pensei. Se tudo corresse bem, ninguém pensaria duas vezes sobre isso. No entanto, ao desviar o olhar para o adolescente ao meu lado, notei a confusão em seus olhos. Ele abriu a boca para dizer algo, mas eu o silenciei com um leve movimento da cabeça, um aviso mudo para que não complicasse as coisas. Seus lábios se fecharam, e ele apenas me observou em silêncio, como se tentasse entender o que estava acontecendo.

O mais velho se levantou rapidamente para ir preencher as informações pertinentes dele e do irmão, mas logo retornou. Enquanto aguardávamos o atendimento, algo novo começou a se formar em minha mente. Eu havia entrado em território desconhecido. Estar ali, assumindo uma responsabilidade que claramente não era minha, cuidando de duas crianças, não era algo que eu teria feito antes. Não por elas. Não por Andrea. E, no entanto, ali estava eu, sentada em uma sala de espera, fingindo ser a tia delas para evitar um escândalo.

Nós não temos um relacionamento, repeti para mim mesma, como um mantra. Mas, por algum motivo, essa frase parecia cada vez mais vazia.

Os exames transcorreram sem grandes complicações. O pequeno estava obviamente gripado, e o mais velho, com um caso leve de anemia. Nada grave, nada que exigisse intervenções drásticas. E, no entanto, aquela sensação inquieta continuava a crescer dentro de mim, uma agitação silenciosa que eu não conseguia simplesmente afastar.

— Eles precisam se alimentar melhor. Sua irmã tem sido um tanto quanto irresponsável — o médico murmurou em tom confidencial, o suficiente para que apenas eu ouvisse. — O mais velho parece exausto, como se não dormisse há dias.

Mais um suspiro escapou de meus lábios, carregado com o peso da irritação que começava a se formar.

Vamos lá, querida, pensei, dirigindo meus pensamentos para Andrea. O que você tem feito longe da minha vista? Estou começando a me aborrecer ligeiramente com seus mistérios.

As crianças, por outro lado, eram de poucas palavras. O menor já estava dormindo profundamente, sua respiração pesada indicando o cansaço que dominava seu pequeno corpo. O mais velho, silencioso como uma sombra, me seguia de perto, os passos pesados e lentos. Voltamos ao carro, e ele bocejou longamente, quase como se o peso dos últimos dias estivesse finalmente cobrando seu preço.

Not a RelashionshipOnde histórias criam vida. Descubra agora