VI - Nós não temos um relacionamento

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A primeira coisa que eu fazia sempre que adormecia ao lado de Miranda era estender a mão na cama, tateando no escuro até encontrar sua silhueta. Meus dedos, quase sempre frios, roçavam a pele quente dela, e então, com uma urgência que me envergonhava, eu a puxava para mais perto, como se aquele simples contato fosse um escudo contra todos os fantasmas que me atormentavam. Quando meus braços se fechavam ao redor de seu corpo, havia uma sensação frágil de segurança, uma ilusão reconfortante que me fazia acreditar que, por um breve momento, o mundo não estava caindo aos pedaços.

Sentir a respiração lenta e compassada de Miranda era como um mantra silencioso. O ritmo constante do peito dela subindo e descendo ajudava a manter meus próprios demônios à distância. Eu sabia que ela não percebia o peso daquele abraço, não sabia que era a sua presença que me mantinha de pé, noite após noite. Miranda nunca se dava conta de que, enquanto ela dormia profundamente, eu lutava contra o pânico que se insurgia em mim, usando o calor do seu corpo como minha única defesa. Quando os pesadelos ameaçavam me engolir, bastava encostar na sua pele para que a sensação de estar segura, por mais efêmera que fosse, surgisse. Mas eu sabia, no fundo, que essa ilusão nunca durava.

Por isso, quando senti que o desespero voltava a rastejar pela minha mente, me afastei da cama com cuidado. Meus movimentos eram lentos, ensaiados, quase automáticos. Eu já tinha repetido aquela mesma saída incontáveis vezes, uma fuga silenciosa. Cruzei o corredor com o coração pesado, o estômago afundado em culpa, e entrei no quarto dos meus irmãos. O sono deles era profundo, sereno de um jeito que minha própria angústia jamais permitiria que o meu fosse. Eu parei por um momento, observando-os. Eles pareciam tão vulneráveis, pequenos demais para suportarem a vida que eu impunha a eles. A necessidade feroz de protegê-los queimava dentro de mim, uma chama que nunca se apagava.

Me ajoelhei ao lado da cama e, com delicadeza, sacudi Matteo e Luke até que eles abrissem os olhos. Suas expressões sonolentas, mas já acostumadas, me rasgavam por dentro.

— Precisamos ir — sussurrei, minha voz tentando soar firme, mas falhando em esconder o peso que eu carregava.

Eles não me questionaram. Não havia mais surpresa naquelas fugas noturnas. Já tinham aprendido, com o tempo, que quando eu dizia que era hora de partir, o perigo estava perto demais. Sem reclamar, levantaram-se, trocando olhares silenciosos entre si. O ritual se repetia sempre da mesma maneira: eles lavavam o rosto no banheiro em um gesto que parecia lhes dar um mínimo de dignidade em meio à fuga constante. Eu os observava com um misto de tristeza e culpa, sentindo o nó na minha garganta apertar. Eram crianças, mas viviam uma rotina que nenhum adulto deveria conhecer, muito menos eles.

Descemos as escadas com o máximo de cuidado. Eu já sabia o caminho, já tinha calculado a rota. A porta dos fundos estava destrancada, pronta para nos deixar escapar mais uma vez. Pelo menos, era nisso que eu me forçava a acreditar. Mas, no meio do caminho, parei bruscamente. Meu corpo gelou.

Miranda estava ali.

Encostada no corrimão da escada, a luz suave da madrugada iluminando seu rosto de um jeito que quase me fez esquecer da realidade por um segundo. Seus olhos semicerrados, ainda carregados de sono, se fixaram em mim com confusão. Ela parecia tão inocente naquele momento que meu peito apertou de uma forma que eu não conseguia controlar.

— Por que vocês estão indo embora? — a voz dela soou rouca, baixa, o tom típico de quem foi arrancada de um sono profundo. — Ainda são quatro da manhã...

Aquela pergunta simples me atingiu como um golpe. O peso da inocência dela era esmagador. Por um momento, o caos da minha vida parecia ter se esvaído, e tudo o que restava era a expressão sonolenta e confusa da mulher que eu amava. Miranda não sabia nada. Não sabia sobre os perigos que rondavam, os inimigos implacáveis que sempre voltavam, as sombras que me perseguiam desde que meu pai destruiu nossas vidas. E era melhor que continuasse assim. Ela não podia saber.

Not a RelashionshipOnde histórias criam vida. Descubra agora