III - Eu não gosto de pressioná-la.

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Houve uma única vez em que fiz algo que se aproximasse de pressionar Andrea.

Lembro-me com clareza, foi no dia em que ela chegou à revista com o braço esquerdo engessado. 

Hematomas roxos, cortes graves e curativos mal feitos eu poderia ignorar, fingir que não via, como sempre fizera. Mas um braço quebrado? Aquilo parecia ir além do que eu poderia abstrair, não é? Ao menos, pensei que sim.

Eu não fui incisiva. Não gosto de me intrometer em assuntos que não me interessam diretamente, e Andrea sempre soube manter sua vida privada em segredo. Ainda assim, naquele momento, algo dentro de mim se revirou. Como uma necessidade incômoda de verbalizar o que estava claro diante de nós.

— Isso não está ficando um pouco fora de controle? — murmurei, quase sem levantar os olhos da pilha de papéis à minha frente, mantendo minha voz fria e neutra, tentando não trair o desconforto que sentia.

A reação dela foi instantânea, como se minhas palavras fossem um choque elétrico. Andrea se encolheu, os músculos de seu corpo tensos, como um gato arisco pronto para saltar diante de uma ameaça invisível. Seus olhos se arregalaram brevemente antes que ela recuasse, colocando uma distância abrupta entre nós. Um silêncio pesado se formou, quase sufocante, enquanto ela fugia com o olhar, e depois saiu sem dizer nada. Ela desapareceu completamente por uma semana inteira. Não houve mensagens, ligações, nem qualquer sinal de vida. Foi como se ela nunca tivesse existido.

Naturalmente, continuei minha rotina como sempre. Eu não permito que essas ausências me perturbem, mesmo quando uma pequena parte de mim se questiona sobre seu paradeiro. Andrea já havia sumido antes, em menor escala, mas aquele silêncio prolongado tinha um peso diferente. Contudo, eu segui vivendo meus dias, ignorando o espaço vazio que ela deixava em minha agenda e na minha cama.

Então, oito dias depois, ela apareceu.

Era uma noite chuvosa, o som das gotas batendo contra as janelas ecoava pela minha casa. Quando a campainha tocou, o desconforto momentâneo de ser interrompida em minha paz foi rapidamente substituído por surpresa. Andrea estava ali, na porta, completamente encharcada, com a água escorrendo pelas mechas de cabelo coladas em sua pele. Em seus braços, um pequeno buquê de flores amassadas, claramente danificadas pela chuva, uma tentativa patética de redenção. Mas o que me chamou a atenção, mais do que tudo, foi o olhar em seus olhos — uma expressão de vulnerabilidade crua, algo que eu jamais havia visto nela antes. Parecia um cachorro perdido, chutado para fora de casa, sem saber para onde ir.

Por um momento, pensei em fazer algo. Perguntar onde ela esteve, o que a havia levado a fugir por tanto tempo, mas essas perguntas morreram antes mesmo de chegarem aos meus lábios. A verdade era que, naquele instante, nada daquilo importava. Ela estava ali, diante de mim, e isso bastava.

Naquela noite, eu a devorei com fervor, como se quisesse marcar sua pele de novo, apagar qualquer vestígio da distância que se formara entre nós. As flores caíram no chão, esquecidas, enquanto eu a levava ao quarto, e cada toque, cada movimento, era feito com uma intensidade que ultrapassava as palavras. Andrea não disse uma única palavra, e eu também não.

[...]

Eu não gosto de pressioná-la.

Principalmente depois do dia em que Andrea simplesmente desapareceu por uma semana inteira. Aquele sumiço repentino teve o efeito de uma anestesia sobre a minha curiosidade, já mínima por natureza. Se ela não estava disposta a falar, tampouco eu estava disposta a saber. Mantive nossa dinâmica silenciosa intacta, com cada uma de nós respeitando o espaço não dito da outra. Mas ultimamente, parece que Andrea vem se esforçando para transformar isso em um desafio para mim.

— Onde está a minha irmã? — a voz rude do garoto ecoou pelo meu escritório, pela segunda vez, sem sinal de paciência ou reverência.

Normalmente, eu o teria excomungado no mesmo instante por ousar usar esse tom comigo, por sequer pensar em se dirigir a mim dessa maneira. Esse tipo de insolência jamais seria tolerado na Runway. Mas, algo no cenário diante de mim me impediu de agir de imediato. O garoto estava parado ali, carregando nos braços uma criança. Uma criança claramente adoentada, o rosto pálido e febril se destacando sob a franja suada.

Eu não sabia o que me irritava mais: o fato de Andrea estar envolvida em algum drama familiar do qual nunca me falou ou a audácia de ser colocada nessa situação sem aviso. Meus olhos voltaram-se para o garoto, avaliando-o com uma frieza meticulosa. Ele não parecia intimidado, o que apenas reforçou o desprezo inicial que senti por sua presença.

— Onde está Andrea? — insistiu ele, a voz carregada de uma urgência que não combinava com seu comportamento anterior.

A menção ao nome dela fez algo se mover dentro de mim, um pequeno incômodo, como um reflexo indesejado. Andrea havia desaparecido novamente, e mais uma vez, eu me forçara a não perguntar por quê, a não demonstrar qualquer preocupação. Mas, agora, com este estranho invadindo meu santuário e lançando perguntas, me vi envolvida de forma desconfortável numa história que não escolhi participar.

Eu não respondi de imediato. O silêncio no ambiente parecia se estender por tempo demais, pairando pesado entre nós. Finalmente, rompi o silêncio, com a calma gelada que sempre uso para retomar o controle da situação.

— Quantos anos você tem? — perguntei, mantendo meu tom firme e impassível.

Ele ergueu as sobrancelhas, surpreso com a pergunta inesperada.

— Tenho quinze — resmungou, apertando o pequeno em seus braços. — Ele tem cinco... e está com muita febre — continuou, a voz trêmula. Suas bochechas, antes pálidas, ganharam uma coloração avermelhada enquanto desviava o olhar para o chão, envergonhado, talvez pela vulnerabilidade de admitir que estava perdido. — Eu... eu não queria incomodar, mas não sei o que fazer quando ele fica assim, tão doente.

Suspirei, sentindo o familiar peso do instinto materno, algo que tento ignorar na maior parte do tempo, mas que, de vez em quando, escapa do controle. Levantei-me da minha cadeira com um movimento firme e caminhei até o garoto, estendendo os braços para pegar a criança febril. Quando a toquei, senti o calor desesperador de sua testa, a temperatura perigosamente alta. Minha mente, ainda que relutante, já começava a traçar o caminho mais prático.

— Eu não sei onde sua irmã está — murmurei, enquanto pegava minhas chaves na mesa. Ao me dirigir para a porta, percebi que o adolescente continuava parado no meio do escritório, com uma expressão confusa, como se esperasse mais alguma coisa. Lancei-lhe um olhar firme. — O que está esperando? Vamos.

— Para onde? — ele perguntou, com a voz fraca, como se não conseguisse acreditar que eu estava realmente me envolvendo.

— Ora, para o hospital, é claro.

Seus olhos se arregalaram brevemente, a incredulidade em sua expressão dando lugar a uma urgência renovada. Ele se apressou a me seguir, tropeçando nos próprios pés enquanto passávamos pelos corredores da Runway. Tive que ignorar os olhares curiosos dos meus funcionários, cada um com suas próprias conclusões silenciosas sobre a cena incomum que presenciavam. Era difícil determinar o que os chocava mais: a presença de duas crianças em meu domínio, ou o fato de eu estar segurando uma delas.

Segui em direção ao carro, ainda sentindo o calor alarmante da criança febril em meus braços. A situação estava fora do normal, claro. Minha relação com Andrea era cheia de ambiguidades, mas isso, agora, não importava. Duas crianças precisavam de ajuda. E, por mais que eu me orgulhasse de manter distância emocional de tudo e todos, havia momentos em que até eu não podia simplesmente ignorar.

Nós não temos um relacionamento, pensei, enquanto abria a porta do carro e colocava o menino cuidadosamente no banco de trás, o irmão mais velho entrando logo depois, com um olhar perdido. Mas, não posso simplesmente virar as costas para duas crianças que precisam de ajuda, não é?

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