Eu sempre gostei de flores, quando era pequeno meu maior sonho era ter meu próprio jardim ao qual eu mesmo iria o construir, pouco a pouco, o ver se tornar o mais belo que qualquer outra floricultura grande e renomeada, gosto de imaginar-me um dia ganhando um buquê de alguém, um amigo, um parente e até mesmo quem sabe um amor, que seja doce tanto quanto o cheiro de uma flor de álisso, e simbólico tanto quanto é uma rosa. Aprendi a ter essa admiração por flores com a minha mãe, quando eu era pequeno, ficava a observando plantar folhas e temperos na mini horta que tínhamos em nossa casa, ela cantarolava toda alegre mesmo com sua tia atrás reclamando da terra que sujava o chão de azulejo branco e também o avental da mesma cor, ela sabia que não era esforço nenhum para minha mãe limpar depois, mas ela era mais velha e os mais antigos tem esse costume de pensar que os que nasceram depois sabem menos do que eles por não terem "experienciado" a vida suficiente, o que hoje, para mim, pode sim fazer sentido em alguns momentos, em outros se torna somente uma bobagem. Maria, minha mãe, me teve muito cedo, com somente 18 anos, eu não conheci o meu pai, ela me disse que ele foi embora meses depois do meu nascimento, nunca falou muito sobre ele ou fazia questão de falar como era o relacionamento dos dois, na época, me fazia muita falta saber sobre o meu pai, ter vontade de sair para jogar bola com ele ou assistir a um jogo de futebol e o poder abraçar após um gol de nosso time, conversar sobre assuntos masculinos e aprendizados básicos como, fazer a barba, por exemplo. Mas, nada se comparava a como eu me sentia nas festinhas escolares de dia dos pais, ver meus colegas abraçando cada um o seu pai, me fazia questionar o que eles tinham que eu não tive para que o meu quisesse ir embora e nem sequer nunca ter me procurado esses anos todos, me culpava, talvez eu tivesse sido um bebê feio, muito chorão, que não deixava ninguém dormir a noite e que fosse um empecilho em sua vida por ter que o fazer adotar uma postura de adulto muito cedo. Maria sempre deu e ainda dá o seu melhor nesses dias, ela sempre estava em todas as apresentações, foi presente em toda minha trajetória escolar, fazia de tudo para que o vazio que se fazia presente por conta da ausência de meu genitor não me dominasse, e a culpa não me amargura-se, e eu sou eternamente grato por ela ser a minha mãe, e hoje, não me culpo mais por ele ter me abandonado, mas o culpo por abandonar minha mãe, pelas noites em que eu a vi chorando, sofrendo calada, trabalhando o dobro para me dar tudo do bom e do melhor, cansada, exausta, se desdobrando e até mesmo hoje, tendo que passar por coisas piores, tudo isso por ele não ter sido e não ter tido a atitude de homem que ele deveria ter, que minha mãe teve, isso eu jamais vou conseguir aceitar.
Eu e minha mãe, atualmente, estamos em uma cidade do estado de São Paulo, chamada Osasco. Antes de vir para cá, ouvi dizer de minha prima que havia muitos pombos e que Osasco é conhecida como a "Cidade do Cachorro-quente", achei muito engraçado, mas ainda sim receoso, eu nunca tinha saído de minha cidade antes... a família da minha mãe é toda da região sul do país, Criciúma, lá é bem gostosinho de se viver, eu adorava, cresci e fui criado lá com eles, às vezes, pessoas desconfiam pensando que viemos de fora, por termos descendência coreana na família por parte de mãe... é legal ter uma "dupla nacionalidade", parece que as pessoas se interessam mais em você, mas isso de nada vale para mim, estamos no Brasil, eu nasci aqui, respeito as origens da família, independente de qualquer coisa, tenho pessoas mais antigas que dizem que devo levar em consideração uma mais do que a outra, pura questão de ego, eu diria, mas, não é bem assim que funciona. Nós somente tínhamos a irmã de minha mãe aqui em Osasco, ela veio por uma questão de trabalho, e depois que conheceu o pai de minha prima, que atualmente hoje tem quase a mesma idade que a minha, sendo somente 2 anos mais nova, decidiu se estabilizar aqui, inclusive, assim que cheguei, decidi começar a estudar algo, e me matriculei na mesma faculdade que ela no curso de artes, e logo no meu primeiro dia tive que sair mais cedo, pois meu irmão que estava de bico precisou sair rapidamente para resolver um assunto pessoal, mas eu ainda teria bastante tempo para conhecer melhor a instituição, então tive que ir para ficar em seu lugar e ainda sim quando cheguei, precisei ir buscar um envelope para ele com um "parceiro" seu, que ficava bem próximo da lanchonete, graças a isto, vou poder contribuir com o dinheiro do aluguel. Ela não é de minha mãe ou minha, é do irmão mais velho dela. Ele pretendia se mudar por conta da minha outra prima, ela tem o sonho de se tornar modelo e querendo ou não, São Paulo tem as melhores agências que possam dar visibilidade a sua imagem e carreira, mas meu tio ainda tinha esperanças de ela mudar de planos até o ensino médio acabar então, deixou que eu tomasse frente da administração do imóvel parado, mas, desde que ele ajudasse com um valor todo o mês. Minha mãe disse que iriamos ficar aqui por algum tempo, até as coisas se acalmarem em nossa casa, quem eu consiga me estabilizar aqui, com uma profissão e um bom emprego, desta maneira, não temos que retornar e consigamos ficar por aqui também, igual minha tia, eu acreditava nisto, afinal, ela estava segura aqui, longe daquele nojento que é o Carlos.
Carlos, o atual parceiro de minha mãe, vulgo, meu detestável "padrasto".
Quando ele e Maria iniciaram o relacionamento, tudo ia bem, ele demonstrava ser alguém legal, carinhoso, educado e muito amoroso, mas, depois que se mudou para nossa casa e firmou a aliança de casamento com ela, ao passar dos anos ele foi realmente mostrando sua verdadeira face, um homem nojento, viciado em álcool e jogos de azar, além de ser extremamente violento, meu irmão mais velho, Cris, era o único ao qual conseguia o enfrentar quando ele tentava vir para cima de mim ou de minha mãe, Cris é alto, forte, serviu ao exército durante uns anos então, ele era bem casca-grossa... minha mãe tinha medo assim como eu, mas Carlos não era maluco totalmente a ponto de querer iniciar um confronto com meu irmão, sabia que iria se dar mal e sair bem machucado, mas, ele quis estudar e fazer faculdade em uma cidade grande, então também se mudou para cá, conheceu uma garota, arranjou um emprego e decidiu morar com Livia, sua atual esposa, sim, ele agora é um homem casado, e mesmo sendo mais velho é muito mais atrapalhado do que eu, o fator de ter que sair as pressas para resolver seus assuntos pessoais por não saber planejar melhor seu dia já diz muita coisa sobre ele, mas, eu o amo, ele, é para mim, o melhor irmão mais velho que alguém pode se ter.
Então, depois de sua ida, as coisas em casa eram como uma bomba – relógio, mínimo de contato e comunicação, vivíamos com medo de ele fazer algo, e minha mãe se negava a falar para seus irmãos e primos, pois dizia que seria bem pior se não tivéssemos ele nos ajudando com os gastos de nossa casa. Mas, o estopim de nossa mudança, foi quando cheguei em casa após fazer um bico de babá para uma de nossas vizinhas e o ver a espancando após retornar do bar totalmente bêbado, a cena dele esmurrando minha mãe com força em cima do sofá e ela inconsciente o suficiente para sequer ter forças de gritar me paralisou por alguns segundos, eu não sabia descrever o que eu estava sentindo, pois cada vez que seu punho subia e eu via o sangue de Maria em seus dedos meu interior eclodia e eu só conseguia implorar na cabeça para algum Deus, que ele não a matasse, que ele não a tirasse de mim, pois eu não aguentaria viver sem ela, depois da minha consciência voltar com um estalo alto, minha única ação foi pegar um vaso de vidro e quebrar na cabeça dele, o que o fez apagar e seu corpo cair em cima dela, que logo após o jogou no chão, mesmo sabendo que nosso tempo era contado até ele acordar eu a abracei com força, não me aguentei, eu só conseguia chorar e pedir para ela ficar comigo, me sentindo totalmente impotente por não conseguir defendê-la da maneira que ela merecia.
Mesmo com mil emoções tomando conta de mim, eu a deixei no sofá, subi as pressas e juntei o máximo de coisas que consegui em duas mochilas, documentos e utensílios básicos que poderiam ser úteis, pois para aquela casa eu e ela não retornaríamos, pelo menos, eu não deixaria isso acontecer. Peguei meu celular e liguei para a única pessoa que sabia o que estava acontecendo, vulgo, minha tia que nos deu abrigo aqui em Osasco, avisei a ela que estaria levando minha mãe para o hospital e que depois iria comprar duas passagens de ônibus para fugirmos de casa, ela concordou e logo isso, desci a carregando em meu colo até o ponto de táxi que havia na esquina de nosso antigo bairro para a levar até uma unidade de saúde mais próxima, que fizesse seus cuidados médicos.
Depois desse turbilhão, muitas coisas aconteceram, quando ela já estava novamente acordada, conversei com ela e a mesma concordou com meu plano, o que me deixou aliviado, e foi assim que viemos parar aqui, em busca de um novo recomeço em nossas vidas, meu irmão só foi saber depois, e após compreender a situação já queria sair atrás de Carlos para o fuzilar de todos os jeitos e maneiras possíveis, mas, não era bem assim, Livia o acalmou após ele ter esbravejado vários palavrões e quase ter chutado tudo na casa, ela era uma garota muito legal e atenciosa e foi uma satisfação imensa saber que meu irmão tinha achado uma pessoa assim para compartilhar sua vida.
Aquele momento passou e atualmente, me sinto bem aqui, por mais que se tenham as diferenças culturais, não é nada que eu não possa me adaptar.
Mas, se tem uma coisa que aprendi hoje, é que sempre ao sair, devo trancar a lanchonete. Diferente da minha cidade, aqui a rotatividade de pessoas é enorme, você espirra e já tem um ser humano ao seu lado ou dentro de um estabelecimento somente para "dar uma olhadinha" ou te fazer perguntas para analisar se vale a pena ou não comprar algo, somente para não sair sem demonstrar o minimo de interesse em algo que na cabeça dele, em outro lugar, ele acha mais barato do que na sua loja/estabelecimento. Hoje, após ir buscar o envelope para meu irmão o guardei em meu bolso da calça, ele era pequeno, não fazia a menor ideia do motivo de Cris me pedir aquilo com urgência, mas, ele sempre acaba me falando depois então uma hora ou outra eu iria saber, quando retornei e entrei dentro da lanchonete havia um menino, ele parecia estar perdido, e bem distraido pois sequer me viu atravessar a porta, sua atenção só foi voltada a mim quando eu me pronunciei:
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MOONIE | Olhos Brilhantes.
أدب الهواةFolhas de outono caindo como peças em seus devidos lugares E eu consigo lembrar desta cena, mesmo depois de todos esses dias. E eu sei que isso foi há muito tempo E aquela magia não está mais aqui E eu posso estar bem, mas não o suficiente. Pois já...