Past Arc Part3

0 0 0
                                    

Após a breve troca de palavras com Jiang Cheng, o silêncio retornou como uma velha companhia para Lan Wangji. Ele ficou ali, imóvel, com o olhar fixo nas flores de lótus que flutuavam suavemente sobre a superfície do lago. O vento soprava, levantando ondas discretas, como se o próprio lago estivesse murmurando segredos que apenas ele podia ouvir.

Sua mente, no entanto, não estava no lago ou nas flores. Estava no que acabara de acontecer. As palavras de Jiang Cheng ecoavam em sua cabeça. “Vou deixar que fique.” Era algo que ele jamais esperou ouvir, especialmente do homem que sempre carregara ressentimentos tão profundos e intensos, não apenas em relação a ele, mas ao passado que ambos compartilhavam.

Wangji se levantou lentamente, sua postura sempre impecável, e caminhou de volta para dentro do Píer Lótus. Os corredores estavam calmos, e poucos discípulos andavam por ali àquela hora do dia. A maioria estava ocupada com as primeiras tarefas diárias ou em treinamento. Havia uma tranquilidade em sua caminhada, um contraste com os turbilhões de pensamentos que insistiam em ocupar sua mente.

Ao entrar no quarto, encontrou A-Yuan ainda dormindo profundamente, os pequenos braços enroscados ao redor de uma manta fina. Wangji se aproximou silenciosamente, ajeitando a manta ao redor do garoto, observando-o por um momento com uma expressão que misturava ternura e tristeza. Havia tanto que A-Yuan não sabia, tanto que ele jamais seria capaz de explicar.

Enquanto olhava para o menino adormecido, sentiu uma familiaridade dolorosa se instalar em seu peito. A pequena figura, inocente e desprotegida, lembrava-lhe de Wei Wuxian de maneiras que ele não sabia como processar. “Talvez fosse isso que Wei Ying sentia por ele,” Wangji pensou, seu coração se apertando ao lembrar do passado.

O silêncio foi interrompido por um som suave vindo da porta. Ao olhar para cima, viu Jin Ling ali, em pé, os olhos meio sonolentos e o cabelo um pouco bagunçado. Ele parecia hesitante, como se não tivesse certeza se devia entrar.

— ge… — murmurou o garoto, a voz pequena e incerta, ainda carregada pelo sono.

Wangji se virou completamente para ele, sua expressão inalterada, mas seus olhos suavizaram levemente. Jin Ling deu alguns passos vacilantes para dentro, os pés descalços tocando o chão frio, e olhou para A-Yuan por um instante, antes de virar a atenção de volta a Wangji.

— Jiujiu… ele disse que eu não devia ficar te incomodando — Jin Ling continuou, com um pequeno sorriso travesso nos lábios, como se estivesse orgulhoso de desobedecer aquela ordem em particular.

Wangji se abaixou, ficando na altura do garoto, seus olhos sérios, mas sem qualquer traço de repreensão.

— Você não incomoda, Jin Ling — disse Wangji calmamente, o nome do garoto soando mais como uma promessa do que uma afirmação.

Jin Ling, como de costume, não era do tipo que ficava constrangido com palavras de afeto, mas algo na maneira como Wangji falava com ele fazia com que se sentisse especial, de um jeito que nem sempre entendia.

Sem dizer mais nada, Jin Ling se aproximou e, sem qualquer cerimônia, enfiou-se nos braços de Wangji, como se fosse o lugar mais natural para ele estar. Wangji, embora rígido de início, relaxou gradualmente, permitindo que o garoto se aconchegasse contra seu peito. O silêncio entre eles, ao contrário do que acontecia com Jiang Cheng, era confortável, como se tivessem uma compreensão mútua que não precisava de palavras.

O alfa passou a mão suavemente pelos cabelos de Jin Ling, ajeitando os fios bagunçados. Enquanto o fazia, notou uma leve sujeira no rosto do garoto, resultado de alguma aventura noturna que ele provavelmente tivera ao escapar novamente do quarto.

Sem pensar duas vezes, Wangji abaixou-se ligeiramente e, com um gesto instintivo, lambeu suavemente a bochecha de Jin Ling, limpando-o da mesma forma que um alfa limparia seu filhote. O gesto era natural, quase imperceptível para Wangji, mas Jin Ling arregalou os olhos por um instante, surpreso com a suavidade daquele toque.

— ge… — o garoto murmurou, sua voz quase inaudível, sem saber o que dizer. Não era desconforto que sentia, mas uma sensação de proteção que ele raramente experimentava.

Wangji, notando a reação, parou e apenas continuou passando a mão pelos cabelos do garoto, os dedos longos e delicados, mas firmes o suficiente para transmitir segurança.

— Descanse, Jin Ling. — A voz de Wangji era baixa, quase um sussurro, mas carregava uma autoridade suave que Jin Ling não ousava questionar.

Obediente, o garoto se aconchegou ainda mais, deixando o peso de seu pequeno corpo relaxar completamente nos braços de Wangji. O alfa o segurou com firmeza, como se estivesse protegendo o bem mais precioso de todos.

O tempo passou lentamente enquanto Jin Ling adormecia novamente. Wangji, por sua vez, permaneceu sentado, observando o quarto silencioso, com A-Yuan e Jin Ling ambos descansando sob sua proteção. A responsabilidade pesava sobre seus ombros, mas, ao mesmo tempo, algo dentro dele começava a se alinhar, como se, pela primeira vez em muito tempo, houvesse um sentido claro no caminho que ele estava trilhando.

A tranquilidade que preenchia o ambiente era rara, preciosa. Wangji sabia que, do lado de fora, o mundo continuava a girar, e que as dificuldades logo retornariam. Mas, por agora, naquele momento de calma entre ele e os dois pequenos sob seus cuidados, havia uma paz que ele não trocaria por nada.

E assim, enquanto a manhã se desenrolava e os raios de sol iluminavam o Pier Lótus, Lan Wangji permaneceu em silêncio, observando o nascer de um novo dia, sabendo que, mesmo sem Wuxian, havia algo pelo qual ele ainda podia lutar.

𝐋aços 𝐒ilenciosos Onde histórias criam vida. Descubra agora