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Wangji estava deitado sob um céu aberto, o campo de lótus em plena floração ao seu redor, estendendo-se até onde seus olhos podiam ver. O som suave da água do lago misturava-se ao riso melodioso de A-Yuan, que corria entre as flores, perseguindo borboletas. Era uma visão simples, mas carregada de paz, o tipo de momento que Wangji nunca soube que ansiava, até que o teve.

A-Yuan, com sua risada contagiante, tropeçava e caía na grama macia, para logo se levantar, sacudindo as roupas e voltando a correr em sua direção. O pequeno rapaz estendeu os braços, pedindo um abraço, e Wangji o levantou com facilidade, segurando-o contra o peito. O cheiro das flores, o calor do sol, e a presença de A-Yuan fizeram com que Wangji fechasse os olhos por um momento, absorvendo aquele instante de serenidade.

Wei Ying estava lá também, de pé à beira do lago, com aquele sorriso brincalhão nos lábios, observando os dois com carinho. Seus olhos brilhavam, e ele parecia estar em paz, em completa harmonia com o momento.

— Lan Zhan, você vai deixá-lo mimado desse jeito — Wei Ying brincou, sua voz leve, provocante, enquanto se aproximava de Wangji e A-Yuan.

Wangji sorriu suavemente, algo raro em seus dias de vigília, mas tão natural ali, no sonho.

— Ele já está mimado — respondeu Wangji, seu tom calmo, enquanto A-Yuan ria em seus braços.

Mas então, uma sombra passou pelo campo, uma brisa fria cortando o ar com uma intensidade perturbadora. As flores de lótus começaram a murchar, a água do lago tornou-se turva, e o céu, antes azul e ensolarado, foi encoberto por nuvens escuras. Wangji sentiu seu coração acelerar, algo estava errado. Ele olhou para A-Yuan, mas o garoto parecia distante, seu sorriso desaparecendo, sua risada sendo engolida pelo vento.

— A-Yuan? — A voz de Wangji saiu urgente, mas o menino não respondeu. Seus olhos, que antes brilhavam de felicidade, estavam agora opacos, sem vida.

O som de Wei Ying, tão próximo momentos antes, também se dissipou. Wangji virou-se para procurá-lo, mas o que encontrou foi uma figura desvanecida, pálida e sem forma. Wei Ying estava lá, mas não como antes. Seus olhos, uma vez vivos e cheios de luz, agora estavam vazios, uma sombra do que ele era.

— Lan Zhan... você me deixou partir. — A voz de Wei Ying era baixa, fria, como se viesse de muito longe, trazendo consigo uma acusação silenciosa.

Wangji sentiu um aperto no peito, um peso que o esmagava por dentro. Tentou se mover, mas seus pés estavam presos, afundando na lama que agora cercava o campo de lótus. A-Yuan estava se afastando de seus braços, desaparecendo na escuridão, e Wei Ying estava se desfazendo diante de seus olhos, sua figura esvaindo-se como fumaça no vento.

— Wei Ying! A-Yuan! — Wangji tentou gritar, sua voz quebrada pelo desespero. Ele estendeu a mão, tentando alcançar ambos, mas o vazio entre eles crescia, intransponível.

O céu escureceu completamente, o campo de lótus estava morto, as águas turvas se transformando em um abismo profundo. Wangji sentiu uma dor aguda em seu peito, como se estivesse sendo rasgado por dentro, uma dor que ele reconhecia. A dor da perda.

Wei Ying sumiu, e com ele, a última gota de cor e calor.

Wangji, sozinho naquele pesadelo sombrio, olhou para suas mãos, agora cobertas de sangue. O cheiro era forte, metálico, sufocante. Ele tentou limpá-las, mas quanto mais esfregava, mais o sangue se espalhava, manchando tudo ao seu redor. Os gritos de A-Yuan ecoaram na escuridão, distantes e cada vez mais fracos.

— Não! — Wangji tentou gritar de novo, mas sua voz não saiu, sufocada pelo medo e pela culpa.

Aquele sentimento de impotência o sufocava. Tudo estava escapando de suas mãos, assim como antes... assim como sempre. E ele estava sozinho, eternamente condenado a reviver o mesmo pesadelo de perda e dor.

De repente, Wangji acordou com um sobressalto, ofegante, o corpo molhado de suor. O quarto estava quieto, mas ele mal conseguia se reconectar com a realidade. Seu coração batia tão rápido que ele quase não conseguia respirar. Ele sentiu uma umidade em seus lábios e, ao passar a língua sobre eles, percebeu que estava sangrando. Tinha mordido o lábio com tanta força durante o pesadelo que o sangue havia escorrido, manchando seu travesseiro.

Wangji sentiu seus olhos queimarem e, antes que pudesse se conter, lágrimas silenciosas caíram por seu rosto. Ele fechou os punhos, tentando controlar a onda de emoções que o dominava, mas era inútil. A dor do pesadelo ainda era muito real, muito próxima, e o sentimento de perda, embora fosse um sonho, era uma realidade que ele não conseguia escapar.

Com a respiração ofegante, ele se sentou na cama, abraçando os próprios joelhos, tentando se acalmar. Mas as memórias, a dor, tudo estava ali, vivo dentro dele.

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