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Jonathan Calleri

Seria um crime não atender a própria mãe? Gostaria de não considerar isso um crime, afinal, assim seria mais
fácil recusar a terceira chamada seguida da minha mãe. Ela gostava de ligações longas e mandar mensagens com emojis demais.

Passo os dedos pelos olhos, respirando fundo e encaro São Paulo pelas janelas

do meu apartamento. As luzes da cidade correm de um lado para o outro e prefiro observá-las por alguns instantes antes que outra ligação da minha mãe tire minha atenção.

Devo admitir que inventar um noivado falso somente para provocá-lo e provar um ponto foi uma atitude bem juvenil
da minha parte, Passaram mais de vinte e quatro horas e não dei a atenção devida à minha mentira.

Abro as infinitas mensagens da minha mãe que não param de chegar, puxo a aba de notificações e solto um grunhido quando vejo minhas mensagens com felicitações como “parabéns pelo noivado”, “felicidades ao casal” e “estamos ansiosos para conhecê-la”.

Que merda eu me meti! Nome "mãe" aparece na tela e finalmente atendo a ligação. É hora de começar a lidar com as consequências.

— Não acredito que fez isso comigo! — Dona Bettina grita em meu ouvido. Murmuro um “mãe”, que não é ouvido, enquanto ela prossegue: — Não acredito que o meu menino ficou noivo e eu tive que descobrir isso através da Micaela!

Ah, agora eu entendi o motivo da sua frustração. O problema não é a minha mentira, mas sim que descobriu através da Micaela. Minha mãe nunca foi com a cara da minha ex e, mesmo nunca dizendo isso em voz alta, eu deveria ter dado ouvidos a ela quando me aconselhou, lá no começo, que achava que todo o meu relacionamento não era uma boa ideia. Teria me poupado alguns anos.

— Mãe… — tento outra vez.

— É melhor começar a me explicar isso agora mesmo, Micaela falou que o Jorge comentou sobre a beleza da moça, uma morena de respeito.

“Morena de respeito” ele deveria ter mais respeito sobre a noiva dos outros. E com a própria noiva que tanto idolatra.


— Estávamos mantendo tudo o mais discreto possível. Sabe como os
sites de fofoca são. — Tento contornar a situação e me detesto a cada nova
mentira que me prende nessa história bizarra, todavia, meu cérebro não consegue pensar em uma saída melhor do que seguir acrescentando pontos a essa trama.

— Pois conseguiram! Foi discreto a ponto de nem mesmo a sua própria mãe saber! — comenta, fazendo com que eu me sinta um pouquinho pior pela mentira.

Ela podia ser um pouco menos dramática e não me colocar na posição de pior filho do mundo. Pela quantidade de mensagens que recebi, isso se espalhou o suficiente para que, nem em um milhão de anos, irei sair por aí falando que é uma mentira. Não irei manchar minha imagem e virar um mentiroso, frouxo e que ainda sofre pela ex a ponto de inventar uma história de noiva falsa.

— Nós íamos contar — digo, querendo suavizar a chateação da minha
mãe. — Na semana que vem — continuo, sem controle. Virei um mentiroso compulsivo, que ótimo!

— Não invente histórias só para minimizar sua culpa.Uma ova que ia me contar, ia continuar me escondendo e, quem sabe, eu só descobriria através de um desses sites de fofoca. Ou pior, quando fosse chamada para o casamento! Só a palavra já me causa um arrepio assustador.

— Mãe, não é bem assim — resmungo, voltando a parecer um adolescente. — Tínhamos planejado um jantar lá em casa, após o jogo para contarmos. — Minha mãe murmura um “uhum”, ainda desconfiada.

— O pessoal é maldoso, eu sou o Jogador e ela é uma pessoa anônima.

Eu simplesmente envolvi uma completa desconhecida na minha história e não sei absolutamente nada a respeito dela  Nem mesmo sei o seu nome.

— É, os boatos são bem desagradáveis mesmo — minha mãe concorda comigo e quase solto um suspiro aliviado pelo tom mais dócil de sua voz. — Então… jantar no domingo que vem ?

— Sim — respondo, tentando não parecer como um cara prestes a ir para a forca.

— Parece perfeito, querido. — Viu só, foi só prometer um jantar e já virei o “querido” de novo. Minha mãe pode ser comprada com jantares, com uma noiva inexistente e bolsas caras. Bem, a noiva existe, só precisarei achá-la novamente, e também descobrir como convencê-la a continuar mentindo por mim. — Tchau, meu filho. Nos vemos no domingo.

— Até — respondo antes de desligar a chamada e relaxar meu tronco no sofá.

Passo um cumprido. Consegui fazer minha mãe acreditar na minha mentira.
O passo dois é um pouco mais complicado, afinal, diz respeito a
manter essa mentira em pé, e para
conseguir concluir essa etapa, precisarei de alguns esforços adicionais, isso inclui voltar ao restaurante e procurar informações sobre aquela maluca.

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