† Prólogo.

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Dois anos antes.

É meu aniversário.

Estou sozinho em uma das capelas laterais do interior da igreja, terminando de acender uma vela. A missa acabou e o padre se recolheu para sua casa, nos fundos da propriedade. Restamos apenas eu e mais dois seminaristas, encarregados de limpar e fechar tudo.

Consigo escutar as vozes de meus colegas de Seminário vindas da sala de Sacristia, mas não entendo o que falam. Minha concentração está em outro lugar. Essa é a minha capela favorita porque nela há uma pintura que nenhuma outra possui. "O Sagrado Coração de Jesus", pintada em 1842 por Carl Dietrich. Minha favorita. Desde que vim do Seminário para finalizar minha formação em Padre, é nessa capela, ajoelhado diante dessa pintura, que faço minhas preces ao Senhor todas as noites. É meu refúgio e onde reafirmo meu propósito.

Hoje, diferente do que faço todos os outros dias, acendo duas velas: uma para Jesus Cristo e outra para mim. Sei que não é certo, mesmo assim não resisto. Sequer consigo me lembrar da última vez em que celebrei meu aniversário. Se houver alguma consequência, irei cumprir a penitência. Mas não estou preocupado com isso. Agora, tudo o que quero fazer é rezar o Pai Nosso enquanto celebro meus vinte anos.

Ajoelho-me diante da pintura, junto as mãos em súplica e começo:

— Pai nosso, que estais nos Céus...

Conforme rezo, escuto os trovões vindos lá de fora. Está caindo uma tempestade violenta, regada por barulhos estrondosos. Sequer consigo finalizar, pois o som das portas de madeira da Galilé sendo abertas me assustam. Olho para a entrada da capela antes de soprar as duas velas, apressando-me para fora. Minha bata branca bate em meus pés conforme avanço pelo salão amplo da igreja em direção à entrada.

Bernardi, um de meus colegas, me assiste do outro lado, segurando uma vassoura. Sou o seminarista mais velho daqui, então a responsabilidade de checar quaisquer problemas é minha.

Antes mesmo de chegar na entrada da igreja, eu o vejo. É um homem. Não apenas um homem: alguém que precisa desesperadamente de Jesus Cristo. Seus trajes vulgares denotam que é mais um que se perdeu no mundo, desde a calça jeans até a blusa de manga curta e a jaqueta de couro pretas. O cabelo preto e liso recobre o rosto pálido como um manto, até ele o pentear para trás com a mão, revelando o rosto adornado por uma expressão de assombro disfarçada de desdém. As sobrancelhas grossas curvadas na ponta asseguram o olhar semicerrado, de cílios curtos, o nariz grande e retilíneo e a mandíbula afilada. Ele tem um semblante cruel e inquisitivo, mesmo agora, quando está trocando os pés, claramente bêbado.

Cambaleia até um dos bancos, onde se senta e abaixa a cabeça. Então, murmura o que parece ser o "Ave Maria". Seu tom é arrastado e ele confunde algumas palavras.

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