Damen se sentou com as costas para a parede, sobre a roupa de cama
que reunira junto da lareira. Os sons do fogo ficaram esparsos; ele já
tinha queimado e se reduzido às últimas brasas brilhantes. O quarto estava calorosamente calmo e silencioso. Damen estava bem acordado.Laurent dormia na cama.
Damen podia identificar sua forma, mesmo na escuridão do quarto. O luar
que penetrava pelas frestas das cortinas da sacada revelava o volume do cabelo claro de Laurent sobre o travesseiro. Laurent dormia como se a presença de Damen no quarto não importasse, como se Damen não fosse
mais ameaça para ele que um móvel.
Não era confiança. Era um julgamento calmo das intenções de Damen,
combinado com uma arrogância insolente em sua avaliação de si mesmo: havia mais razões para Damen manter Laurent vivo do que para lhe fazer mal. Por enquanto. Foi como quando Laurent lhe entregara uma faca. Como quando Laurent o convidara para os banhos do palácio e, calmamente, se despira. Tudo era calculado. Laurent não confiava em ninguém.Damen não o entendia. Ele não entendia porque tinha falado como falou, nem entendia os efeitos dessas palavras sobre si mesmo. O passado pesava sobre ele. No silêncio do quarto à noite, não havia distrações, nada a fazer além de pensar, sentir e lembrar.
Seu irmão, Kastor, o filho ilegítimo da amante do rei Hypermenestra, foi
criado pelos primeiros nove anos de sua vida para herdar o trono. Depois de perder inúmeros bebês, passou a ser crença comum que a rainha Egeria não conseguiria levar uma gestação a bom termo. Mas então veio a gravidez que tirou a vida da rainha, mas produziu em suas horas finais um herdeiro homem legítimo.Ele cresceu admirando Kastor, esforçando-se para superá-lo, porque o admirava e porque tinha consciência da incandescência do orgulho do pai nos momentos em que conseguia superar o irmão.
Nikandros o puxara do quarto onde seu pai estava doente e dissera, em voz baixa: Kastor sempre acreditou merecer o trono. Que você o tomou
dele. Ele não consegue aceitar a culpa pela derrota em nenhuma arena; em
vez disso, atribui tudo ao fato de que ele nunca teve sua “chance”. A única
coisa de que precisava era de alguém para sussurrar em seu ouvido que ele
devia tomá-lo.Ele se recusou a acreditar nisso. Em qualquer parte disso. Não ia dar
ouvidos a palavras ditas contra o irmão. Seu pai, que estava à beira da
morte, chamou Kastor a seu lado e lhe falou do amor que sentia por ele e
por Hypermenestra, e as emoções de Kastor ao lado do leito de morte do pai pareceram tão verdadeiras quanto a promessa de servir ao herdeiro,
Damianos.Torveld dissera: Vi a tristeza de Kastor. Era verdadeira. Ele achava isso também. Na época.
Ele se lembrou da primeira vez em que soltou o cabelo louro de Jokaste,
da sensação dele caindo sobre seus dedos, e a lembrança se emaranhou com uma palpitação de excitação, que no momento seguinte se transformou em um abalo, quando ele se viu confundindo o cabelo louro comprido com um mais curto ao se lembrar do momento no andar de baixo quando Laurent quase sentara em seu colo.A imagem se despedaçou quando ele ouviu, abafada pelas paredes e a
distância, uma batida nas portas no andar de baixo.O perigo o fez se levantar – a urgência do momento empurrou para o lado seus pensamentos anteriores.
Ele vestiu a camisa e a jaqueta, sentando na beira da cama. Foi delicado quando pôs a mão no ombro de Laurent.A pele de Laurent estava quente na cama com cobertor. Ele despertou
imediatamente sob a mão de Damen, embora sem nenhuma expressão
aberta de susto devido ao pânico ou à surpresa.– Temos que ir – disse Damen. Havia um novo conjunto de sons vindo do
andar de baixo; o estalajadeiro, acordado, destrancando a porta da
estalagem.
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Livro: Príncipe Cativo 2 ( O Guerreiro )
RomansaO FILHO DO REI NÃO ESTA MORTO " Com ele falam deuses seguros Com vozes firmes Seu olhar deixa os homens de joelho Seu suspiro leva cidades à ruína Será que ele so...