Prólogo

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O calor da fogueira me envolvia na mesma intensidade que a chama da paixão queimava dentro de mim. Todos batiam palmas sorridentes e meu coração disparava a cada segundo, a cada passo dado dentro daquele círculo onde agora eu e ele éramos os únicos em seu interior. Estava ansiosa, apreensiva, mas não iria recuar, não agora depois de tudo que passamos, depois de tudo o que enfrentamos para finalmente sermos um só.

Fechei meus olhos e sorri me deixando levar pelo som do violino, a melodia envolvente entrava pelos meus ouvidos conduzindo meus passos. As labaredas alaranjadas misturadas com tons de azul iluminavam o bordado do babado da minha roupa vermelha, que agora parecia ainda mais viva enquanto eu rodopiava fazendo gestos graciosos. Não importa quantas pessoas estivessem ali, minha dança era para ele, meu único e verdadeiro amor. 

Cada movimento era como uma declaração silenciosa do mais puro sentimento dedicado ao homem, que por merecimento fez moradia em minha existência. Seus olhos me acompanhavam como se o tempo tivesse parado, e o brilho que via neles era um combustível para minhas emoções, eu o amava e finalmente seria sua, agora, e pelo resto da vida.

— Você é meu — sussurrei com um sorriso travesso, que ele retribuiu de forma tímida abaixando a cabeça e balançando. Em seguida, correu o olhar pelo meu corpo até que seus olhos encontrassem os meus, e ali, palavras não se faziam necessárias.

Tendo a lua cheia como testemunha, tirei a rosa vermelha do cabelo, ela era o símbolo do amor que ardia em meu coração, levei até meus lábios e a beijei, então entreguei em sua mão. Ele a pegou e como se estivesse hipnotizado a beijou, seu olhar era repleto de significados, e o maior deles era a imagem da mais pura paixão.

— Você também é minha — ele colocou a rosa em meu cabelo novamente. — Toda minha.

— Sua de corpo e alma — circulei dançando a sua volta.

— Vou te amar de todas as formas possíveis, todos os dias como se fosse o primeiro.

— Te quero de todas as formas possíveis — respondi sentindo o corpo queimar em um fogo incontrolável.

— Seu eternamente minha vida.

— Sua eternamente meu amor...

A viagem a bordo da carruagem chamada vida é repleta de surpresas e armadilhas, onde roteiro inclui paradas que podem tanto ser curtas como longas nos campos floridos entre o amor e a paixão, o carinho, apego, dependendo do desvio tropeçamos na avalanche de desejos, da luxúria que algumas vezes nos joga no abismo da desilusão. Eu passei por todos esses e mais uma infinidade de outros sentimentos, mas antes de começar a contar a minha história, deixe-me me apresentar:

Eu me chamo Natacha, mas os mais íntimos costumam me chamar de Nat. Nasci e cresci em Curimatã do norte, uma pequena cidade do interior do estado do Amazonas, em uma comunidade cigana montada nas terras de uma fazenda à beira da floresta. Ah, mas ciganos não são aqueles que andam soltos pelo mundo? Não, nem todos os clãs são nômades, isso era mais comum no passado, com o tempo alguns grupos resolveram firmar moradia, como aconteceu com o nosso. E por falar em clã, o nosso tentava ao máximo seguir os costumes e manter as tradições, mas com a influência da tecnologia e a convivência com pessoas da cidade isso acabou se tornando um grande desafio.

Até os quinze anos eu vivia em um sistema rígido e estava tudo bem, pois não tive a oportunidade de conhecer a fundo outra realidade, mas minha vida mudou radicalmente quando fui para a cidade de Foz do Iguaçu, interior do Paraná, onde morei por quatro anos em uma vila dentro da hidrelétrica de Itaipu com meus padrinhos o tio Juan, que trabalhava na usina, e tia e Íris, irmã caçula de minha mãe que acabara de ter seu primeiro filho. 

Ela fazia questão de manter vivas algumas tradições, mas em meio a tantas mudanças nem de longe se parecia com a vida em uma comunidade cigana, o que fez com que minha identidade fosse se perdendo gradativamente, iniciando assim um conflito interno que mudou a minha vida.

Eu tinha plena consciência da importância de honrar minhas raízes, mas a modernidade me instigava a cruzar aquela linha e experimentar coisas novas, o que mais tarde me levou a tomar atitudes de modo impulsivo me causando problemas.

O certo e o errado agora brigavam dentro de mim, e a liberdade de ser quem eu queria, se chocava com a realidade de ser quem eu era e a responsabilidade de manter minhas raízes e ser quem queriam que eu fosse. Em resumo, eu precisava buscar o equilíbrio e encontrar uma forma de trilhar o meu caminho, sem que isso significasse me desviar do legado de minha cultura.

Minha trajetória na cidade não foi nada fácil, algumas pessoas não entendiam meus costumes, e devido a conduta errada de alguns dos nossos, sendo verdadeiros ou falsos, infelizmente o povo cigano acabou não visto com bons olhos por uma boa parcela da sociedade, que nos tratam com indiferença, hostilidade e o preconceito disfarçado de medo, mas enfim, o ser humano faz isso até entre os iguais, imagine entre aqueles que julgam "diferentes?" Por falar em diferentes, logo que cheguei já tive que aposentar minhas vestes típicas e aprender a me arrumar como uma gadjí, como chamamos as mulheres não ciganas, para poder estudar e realizar tarefas fora de casa, e ainda assim, algumas vezes sofria preconceito por parte de alguns. 

Bem... nem todos são assim, mas infelizmente ainda existe uma boa parcela, sem contar que algumas crianças têm medo de nós, pois acreditam que somos "ladrões de criancinhas", ou seja, além de tudo, acabamos nos tornando um tipo de "bicho papão" para algumas pessoas.

Dizem que tudo o que vai, volta, então como era o esperado eu precisei voltar às minhas origens, e foi aí que minha vida virou de pernas pro ar, pois agora que finalmente me encaixei em algum lugar tive que aprender a conciliar os conflitos da vivência do mundo moderno com a rigidez da realidade do círculo fechado ao qual pertencia. O que seria mais fácil se eu tivesse um pouquinho mais de juízo e menos de impulsividade.

Como podem ver, a vida dessa cigana sempre foi um montanha russa de emoções, e agora que me apresentei, deixe-me contar a vocês como o destino me pregou uma bela de uma peça no campo amoroso, embaralhando as cartas da minha vida me forçando a fazer uma difícil escolha... entre a razão e o coração.

Pela força do destino - Entre a razão e o coraçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora