𝗘𝗣𝗜𝗟𝗢𝗚𝗢

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Estejam onde estiverem, falem a língua que falarem, tenham a cor que tiverem, duas almas gêmeas seguem para um ponto de encontro.

Carlocesar Biancchi

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Estou sendo perseguido novamente e, como todas as vezes, não consigo escapar. Criaturas de presas enormes e garras afiadas me arrastam para as chamas e, ainda que eu grite, me debata e peça por misericórdia, ninguém me ouve. O final dos pesadelos que tenho desde criança é sempre o mesmo: eu sendo jogado em uma fogueira e o fogo devorando a minha carne.

Levanto da cama em um impulso e coloco a mão sobre o peito, onde meu coração bate forte. Há alguns anos, uma pessoa foi introduzida ao meu pesadelo. Um homem de pele clara, cabelos longos castanhos; seu rosto permanece um mistério até hoje. Quando as criaturas estranhas ameaçam me pegar, ele surge em meio ao breu e me leva dali. De mãos dadas, nós fugimos. No entanto, a fuga dura pouco tempo; de alguma forma, aqueles seres horrorosos nos encontram e nos jogam nas chamas ardentes. Nós queimamos, abraçados. É triste e reconfortante ao mesmo tempo.

- Pirralho, acorde ou vai se atrasar! - Ouço a voz do meu irmão através da porta. Encaro o relógio sobre a cômoda e vejo que já passa das sete. Tenho menos de uma hora para me arrumar, tomar café e correr até a universidade para dar início ao meu primeiro dia de aula.

Jogo os pés para fora da cama e, pegando minha toalha no caminho, entro no banheiro. Vou tirando o pijama enquanto coloco a pasta na escova, tamanha é a minha pressa. Não quero causar uma má impressão para os meus professores, tampouco para o meu mentor. Todo aluno novo recebe orientações de um aluno do último ano; o mais velho torna-se responsável pelo mais novo. Estou ansioso para conhecer o meu. Meu irmão, Apo, casou-se com o seu mentor. Não é como se eu estivesse atrás de um romance universitário como os que vejo nas séries que assisto, mas seria legal finalmente ter alguém. Em vinte e um anos de vida, nunca tive sequer uma paixonite. Durante um tempo, me considerei assexual, mas pensando melhor, desconsiderei; acho que seria uma vergonha para essa parte da comunidade.

- Barcode! - Apo esmurra a porta e eu reviro os olhos. Só porque o marido dele é ricaço, ele acha que pode quebrar qualquer coisa em meu apartamento e o idiota que limpa as lágrimas com dinheiro vai pagar.

- Estou indo! - Grito, desligando o chuveiro.

- Seu maldito pirralho, eu vou levá-lo para o campus. Se apresse, ou eu vou me atrasar para o meu trabalho.

Reviro os olhos novamente; é um hábito desde que fui adotado pela família Nattawin. Minha relação com Apo quando crianças não foi das melhores. Ele era o filho único mimado pelos pais, então de repente, ele ganhou um irmão mais novo. Eu entendia sua revolta, de certa forma; quem iria querer um estranho na família? Mas as coisas mudaram quando passei a ter esses pesadelos estranhos, porque Apo também começou a tê-los. Enquanto eu sou perseguido e queimado vivo, Apo se vê correndo atrás de alguém e esse alguém é engolido por chamas. Quando nos sentamos e começamos a conversar sobre isso, entramos em um acordo de que esses sonhos estranhos poderiam significar alguma coisa e, desde então, somos inseparáveis.

Apo atualmente mora com o marido em uma mansão em um dos condomínios mais luxuosos da cidade enquanto eu vivo no subúrbio, em um apartamento que mal cabe três pessoas, tudo isso porque quero conquistar as coisas por mérito próprio.

Meu irmão veio dormir aqui ontem porque brigou com o marido. Não sei como Mile não bateu na porta de madrugada, ele é do tipo que beija o chão por onde seu companheiro passa e eu estaria mentindo se dissesse que não tenho inveja de Apo.

𝗜𝗠𝗣𝗥𝗜𝗡𝗧𝗜𝗡𝗚Onde histórias criam vida. Descubra agora