O deserto era uma vastidão sombria, iluminada apenas pelas estrelas frias no céu. O vento levantava redemoinhos de areia, criando sombras ondulantes sobre o terreno acidentado. O silêncio era quebrado apenas pelo som distante de pegadas, passos pesados que pareciam hesitar a cada movimento.
O homem que emergira do monstro — agora em sua forma humana, embora ainda instável — caminhava com dificuldade, os pés afundando na areia fina. Seus olhos, um dia azuis como gelo, agora estavam manchados de um tom amarelado, os vasos sanguíneos negros pulsando ao redor da íris como uma rede viva. Ele avançava, guiado pelo cheiro metálico do sangue e pelo rastro que serpenteava pelas dunas.
E então ele os encontrou.
Dr. Vander Salazar estava estirado no chão, o jaleco branco tingido de vermelho, encharcado de sangue seco. O corpo não se movia; o peito, outrora cheio de determinação, estava agora imóvel e frio. Ao lado dele, enrolados em panos manchados de poeira e suor, estavam os dois bebês. Eles choravam baixinho, como se pressentissem que o pai jamais responderia novamente.
O homem parou, observando a cena. Algo dentro dele, uma faísca de consciência, se remexeu em um misto de empatia e curiosidade. Por que estava ali? Por que aqueles bebês, vulneráveis e indefesos, o faziam hesitar?
Ele se ajoelhou ao lado de Salazar, tocando o pescoço do doutor. A pele estava fria. Sem pulso. Morto há apenas algumas horas, mas morto. O homem fechou os olhos por um momento, tentando ignorar a onda de dor e confusão que se abatia sobre ele. Então, lentamente, desviou o olhar para os bebês.
— Vocês… são a única coisa que restou dele, não são? — murmurou, sua voz áspera e rouca, como se as palavras fossem arrancadas à força de sua garganta.
Lara e Mike choravam baixinho, as bochechas molhadas e sujas. O homem estendeu a mão, com hesitação, e puxou os panos para cobri-los melhor. Enquanto fazia isso, uma sensação estranha e reconfortante o invadiu, como se algo estivesse se curando dentro de si. Ele precisava protegê-los, sem saber ao certo o porquê.
Foi então que ele ouviu um grunhido distante. Seu corpo inteiro se enrijeceu, os sentidos aguçados captando o som sutil de algo se aproximando. Virou-se, e no topo de uma duna distante, viu a silhueta esquelética de uma criatura. O monstro que o observava não era muito diferente do que ele fora, com garras afiadas e olhos vazios que emanavam uma luz pálida.

Instintivamente, o homem pegou as crianças nos braços. Laura e Mike começaram a chorar mais alto, assustados pelo súbito movimento. Ele praguejou baixinho, o olhar fixo na criatura. Ela começou a descer a duna, avançando lentamente, mas cada passo fazia o chão tremer. O homem podia sentir a fome irradiando dela — não apenas fome de carne, mas de energia, de algo mais primitivo e profundo.
Sem pensar duas vezes, ele virou-se e começou a correr. O peso das crianças dificultava sua velocidade, mas ele não tinha outra opção. O ar noturno cortava seu rosto, e ele sentia os músculos ardendo a cada passada.
A criatura soltou um grito agudo, um som horripilante que ecoou pelo deserto. Ela estava se aproximando rapidamente, e ele sabia que não conseguiria manter aquele ritmo por muito tempo.
_"Mais rápido… preciso ser mais rápido!"_ pensou, sentindo o medo crescer dentro de si.
Foi quando sentiu algo mudar. Uma estranha energia surgiu em seu corpo, irradiando para seus braços e pernas. A radiação azul, que antes o havia destruído, agora pulsava em seu corpo como um fluxo vital. As feridas em suas pernas começaram a se fechar, e ele sentiu um súbito aumento de força.
Com um grito desesperado, ele acelerou, as pernas movendo-se tão rápido que mal tocavam o chão. O deserto transformou-se em um borrão ao seu redor, e ele correu com uma velocidade que nunca pensou ser possível. A criatura atrás dele gritou novamente, enfurecida por perder a presa.
Em questão de minutos, ele avistou a entrada de uma caverna à distância, escondida entre rochedos. O homem ajustou Laura e Mike em seus braços e investiu na direção do abrigo improvisado, os passos rápidos e firmes. Sentiu o bafo quente da criatura a poucos metros de distância, suas garras praticamente roçando suas costas. Mas ele não parou.
Com um último esforço, lançou-se para dentro da caverna e se escondeu atrás de uma formação rochosa. A criatura parou do lado de fora, os olhos brilhando na escuridão. O homem prendeu a respiração, tentando fazer o mínimo de movimento possível.
O monstro farejou o ar, tentando detectar a presença dos humanos. Soltou um rugido, frustrado. Então, lentamente, começou a se afastar, arrastando-se para longe, talvez em busca de uma presa mais fácil.
Quando o som dos passos desapareceu, o homem soltou o ar, tremendo. Olhou para as crianças, que, embora ainda assustadas, pareciam mais calmas, os olhos fechando de cansaço.
— Conseguimos… por enquanto. — murmurou, ajeitando-os nos braços. Ele se encostou na parede da caverna, o corpo exausto e dolorido, mas aliviado.
A noite passou devagar, o frio do deserto penetrando a caverna, mas ele manteve as crianças aquecidas com seu próprio corpo, ignorando a dor e o cansaço. Seus olhos estavam pesados, mas ele sabia que não podia dormir. Precisava ficar alerta.
Enquanto as crianças dormiam, o homem olhou para o deserto lá fora, a mente fervilhando com perguntas sem resposta. Quem era ele, de fato? Por que estava ali? E, acima de tudo, o que faria com aquelas crianças, agora que Salazar se fora?
Uma coisa era certa: não as deixaria morrer. Mesmo que isso significasse enfrentar todas as criaturas que o deserto pudesse enviar.
— Eu juro… que vou proteger vocês — sussurrou, a voz ecoando na caverna vazia. Fechou os olhos por um momento, sentindo a radiação azul pulsar dentro de si.
Com um suspiro longo e pesado, encostou-se na parede da caverna, mantendo o olhar fixo na entrada. Estava exausto, mas não podia ceder ao sono. Por enquanto, tudo o que importava era manter as crianças seguras.
E, naquela noite, sob o céu estrelado e cruel do deserto, o homem sem nome se tornou o guardião de Lara e Mike, prometendo a si mesmo que nada mais os machucaria enquanto ele ainda respirasse.
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ANCIENT
Fiksi IlmiahApós a morte trágica de seu pai, o cientista Dr. Vander Salazar, os irmãos Lara e Mike são salvos por um homem misterioso em um deserto desolado e irradiado. Crescendo em meio à destruição e ao caos de um mundo pós-apocalíptico, os dois aprendem a s...