Notas do autor.
E aí, pessoal. Saudades de vocês. Trabalhar é... bom, complicado, né? Preferia estar só escrevendo. Falta pouco - três dias para começar o terceiro ato de Necronomicon e continuar Entre Fios e Anomalias. Necronomicon já está pronta, e, admito, estou ansioso pra soltar uns spoilers, mas tenho que me conter (aparentemente, escritores não podem sabotar a própria história, kkk). Aproveite e até a próxima! ♥️
__________________________________
O sol nasceu sobre um deserto que parecia não terminar, o céu tinha aquele tom cinza-amarelado, esquisito, que só existe num mundo que já desistiu de tudo. As trevas tinham ido embora, mas não levaram a fome com elas. E tudo que eu conseguia pensar era: "Precisamos de comida, o que faremos?" Só que a pergunta era vazia, porque eu sabia que ninguém tinha uma resposta.
Olhei pras crianças, uma em cada braço, o peso delas me puxando pro chão, mas eu ainda estava lá, de pé. E então, sem aviso, meus olhos começaram a ver coisas que não estavam ali. Ou talvez estivessem. Larvas de areia rastejavam sobre a pele dos bebês, devorando seus corpos de dentro pra fora, como se fosse a coisa mais natural do mundo. Eu tentei gritar, mas nada saiu. Minhas pernas deram um passo sozinhas, e eu me atirei contra a parede como se estivesse tentando fugir de mim mesmo. Foi o suficiente pra me acordar.
Acordei com uma dor de cabeça que parecia martelar meu crânio por dentro, um zumbido irritante me cercando. Olhei para os bebês e eles estavam lá, inteiros, respirando, os olhos me olhando de volta. Só uma alucinação. Respirei fundo, engoli em seco, mas o gosto amargo ainda estava ali.
Saí andando pelo deserto, com eles nos meus braços, sem rumo e sem esperança. Sete mil anos depois do mundo acabar, e tudo o que sobrou foi areia, pedras, e esses bebês com fraldas encharcadas de xixi. Não sabia o que fazer, onde encontrar alguma coisa útil.
Dei um tempo, porque, sei lá, precisava. Olhei pra Lara, uma das crianças, e percebi que ela era gordinha, com bochechas fofas, uma ironia do destino nesse cenário empoeirado e vazio. Não resisti e apertei uma bochecha dela, tentando ver se alguma coisa nela - ou em mim - reagiria.
- Lara, você tá parecendo um frango assado. - A minha voz saiu rouca e meio risada.
Ela não riu. Só me olhou daquele jeito que os bebês têm, como se eu fosse um monstro que ela não entendia direito. E foi nesse momento que senti aquele cheiro agridoce, um lembrete que ela tinha feito xixi.
As memórias começaram a vir como se tivessem vida própria, invadindo minha mente. Bombas explodindo por toda parte, os gritos ensurdecedores das pessoas, o cheiro de queimado e metal. Pregadores nas ruas, levantando Bíblias, gritando sobre o fim do mundo, enquanto o fim acontecia de verdade, bem ali. Pessoas se entregando à loucura. Sexo nas esquinas, ninguém dando a mínima. Dinheiro jogado no chão, gente se cobrindo com ele, sem propósito nenhum. A mulher da cafeteria - aquela que sempre me servia com um sorriso - agora agarrada num homem qualquer, só tentando sentir algo.
Eu só queria voltar pra casa.
Mas eu não tinha casa. O mundo estava em colapso. Adolescentes correndo com facas, buscando gente mais velha pra esfaquear. Um deles veio na minha direção, o olhar dele vazio, louco. Eu mal consegui desviar, e enquanto fugia, vi outro grupo de pessoas se juntando, matando aqueles adolescentes em resposta, como se houvesse justiça em algum lugar desse inferno.
E aí, a memória sumiu, como fumaça. Voltei a mim, olhando para os bebês. Eles eram tudo o que eu tinha agora.
Avistando um ponto preto no horizonte, comecei a correr em direção a ele.
Era um muro enorme, antigo e destruído.
Quando me aproximei, comecei a observá-lo de perto.
- Oi! Tem alguém aí?
Um som alto veio em resposta, e um impacto direto no meu peito, onde eu segurava Lara.
Um tiro de sniper.
Fui atingido perto demais dela.
Me curvei, encostando a testa na areia, segurando Mike com força enquanto ele chorava. Mais três tiros acertaram minhas costas.
Não conseguia olhar para Lara. Não podia confirmar o que havia acontecido. Meu corpo paralisou, esperando qualquer sinal - um grunhido, uma respiração, um movimento dela.
Minha respiração levantava areia enquanto Mike chorava cada vez mais alto.
Eu sabia que, se me movesse, mais tiros viriam.
Ouvi passos.
E Lara... o som dela estava ausente.
Senti alguém me cutucar com a ponta da arma.
- O que você é?
Ela tinha visto o sangue negro e azulado que escorria das minhas costas.
- Eu... eu não sei - respondi, trêmulo.
Ela atirou no chão perto de mim, me fazendo pular.
- De onde você é? - disse, agora mirando direto em mim. Ouvi o dedo dela no gatilho.
- Eu... não sei.
- Entendi...
Ela me olhou através da mira.
Mike chorou mais alto, chamando a atenção da mulher. Quando o pano que o cobria caiu um pouco, ela olhou para ele: aqueles cabelinhos loiros e olhinhos azuis como o céu.
Ela parou, baixando a arma...
A mulher ficou imóvel, o olhar fixo no bebê em meus braços, como se visse ali uma coisa que o mundo havia esquecido.
VOCÊ ESTÁ LENDO
ANCIENT
Bilim KurguApós a morte trágica de seu pai, o cientista Dr. Vander Salazar, os irmãos Lara e Mike são salvos por um homem misterioso em um deserto desolado e irradiado. Crescendo em meio à destruição e ao caos de um mundo pós-apocalíptico, os dois aprendem a s...