MARIANA
Eu nunca imaginei que aquele seria o último sorriso da minha mãe. A última vez que ouviria o meu pai me chamar de "filhota". Ou a última provocação boba do Felipe, meu irmão caçula, me irritando como sempre fazia.
Parecia só mais uma noite normal, como tantas outras. Eu tinha o TCC no dia seguinte, a apresentação mais importante da minha vida até aquele momento, e tudo o que eu queria era dormir cedo, descansar a mente e conseguir entregar o meu trabalho no dia seguinte. Mas no fundo, algo parecia... fora do lugar. Como se o universo me avisasse, sussurrando de maneira sutil, de que aquela noite mudaria tudo.
Era como se uma sombra invisível pairasse sobre mim, como se uma parte do meu coração, que eu nem sabia que existia, começasse a apertar sem motivo. Um nó na garganta, uma sensação estranha que eu tentei ignorar, querendo acreditar que era apenas o nervosismo pelo TCC, que era só ansiedade pré-apresentação.
— Você vai arrasar amanhã, Mari. — A voz suave da minha mãe ecoava pelo meu quarto, enquanto ela acariciava o meu rosto.
O toque das mãos da mamãe era tão reconfortante, tão familiar, que por um instante todo o nervosismo e a ansiedade que eu sentia desapareceram.
— A mamãe vai estar lá, aplaudindo a filha inteligente e esforçada dela.
Eu me sentia segura com ela, como se, enquanto minha mãe estivesse ali, tudo ficaria bem.
— Obrigada, mãe. — respondi com um sorriso preguiçoso, já me ajeitando na cama. — Espero que dê tudo certo. Mas, só de você estar lá, já me deixa mais tranquila.
— Vai dar tudo certo, minha querida. Porque você é perfeita em tudo o que faz. E mesmo que você não veja, eu vejo o quanto você é dedicada, o quanto você luta. Eu sei que você vai brilhar amanhã, como sempre brilhou.
Minha mãe, Lilian, sempre foi o meu maior suporte, minha fortaleza. Eu podia sentir que quando minha mãe dizia para mim que tudo daria certo, o universo conspirava para que realmente aquilo acontecesse.
Aquilo só podia ser coisa de mãe. Da minha mãe.
Ela se sentou ao meu lado na beirada da cama e começou a cantarolar uma melodia que eu conhecia desde a infância e fechei os olhos, com um sorriso nos lábios.
Antes que o sono me envolvesse, a porta do meu quarto foi aberta bruscamente.
— Ei, preguiçosa, vai dormir cedo por quê? Vem com a gente, Mari! — Felipe entrou no quarto, jogando-se sobre minha cama como se fosse um saco de batatas.
— Ei, eu lavei esse lençol hoje. Pode ir tirando esses sapatos imundos de cima da minha cama! — joguei uma almofada nele.
No batente da porta, meu pai, Jorge, observava a cena com um sorriso.
— Vocês dois nunca vão crescer, né? — ele provocou, entrando no quarto com passos leves. — Mas, para mim, vocês serão sempre meus bebezões.
Felipe fez uma careta exagerada, como se não aguentasse mais ouvir isso. Era o típico adolescente de quatorze anos, tentando se afastar das demonstrações de carinho, mas no fundo, eu sabia que ele amava tudo aquilo.
Meu pai se aproximou e depositou um beijo na minha testa, do jeito que ele sempre fazia desde que eu era pequena.
— Eu te amo, filhota.
Por algum motivo, naquela hora, algo dentro de mim pesou. Era como se meu peito tivesse sido preenchido por um nó que eu não conseguia desatar. Eu olhei para eles — minha mãe, meu pai, meu irmão — e senti um aperto estranho, uma sensação que não fazia sentido.
Eu tentei disfarçar, afastei o pensamento e sorri.
— Também amo vocês. Até você, Felipe, seu chato.
Felipe riu e mostrou a língua para mim antes de sair do quarto. Minha mãe sorriu para mim mais uma vez, prometendo que traria pizza quando voltassem.
Eles acenaram da porta, e eu levantei a mão num gesto preguiçoso, ainda com aquele nó no peito que não ia embora.
Aquela foi a última vez que os vi vivos.
***
Naquela noite, eu finalmente adormeci, embalada pela melodia da minha mãe, ainda ouvindo sua voz suave nos meus sonhos. Mas o destino tinha outros planos. E enquanto eu dormia, o mundo lá fora desmoronava.
O som estridente do meu celular me acordou no meio da madrugada. Eu lembro de ter me virado na cama, grogue, imaginando que fosse algum alarme ou uma mensagem de spam. Mas o telefone não parava de tocar. Senti um frio na espinha ao olhar para o número desconhecido que aparecia na tela.
Algo estava errado.
Atendi com a voz ainda embargada de sono:
— Alô?
Do outro lado da linha, uma voz formal, que jamais esquecerei, começou a falar. Era do hospital. Eu não sabia o que estava acontecendo, mas o tom do atendente já dizia tudo. Ele falou de um acidente. Um caminhão. O carro dos meus pais e do meu irmão. O impacto. Não havia sobreviventes.
Não. Não podia ser verdade. Eu ainda conseguia sentir o beijo do meu pai na minha testa. O som da voz da minha mãe cantarolando. A risada de Felipe ecoando pelo quarto. Isso não podia estar acontecendo.
"Era um pesadelo, e eu acordaria em qualquer momento", eu implorava.
Mas a realidade me atingiu como uma faca afiada, cortando fundo, destruindo tudo em que eu acreditava.
Eu gritei. Um grito que rasgou a madrugada. Um grito que ecoou na casa vazia e fria.
Eles se foram. Todos eles. Meu pai, minha mãe, meu irmão... todos.
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Acordo com a Fera [Paixões Rurais - Vol.2]
RomanceTrilogia Paixões Rurais | #2 Mariana estava acostumada a perdas. Mas no dia de seu aniversário, ao fazer um simples pedido, sua vida vira de cabeça para baixo. Sem entender como, ela acorda em uma fazenda no ano de 1859, diante de um homem misterios...