MARIANA
Dois anos depois...
Sabe aquele momento em que você sente que o chão está prestes a sumir debaixo dos seus pés, mas ainda assim finge que está tudo bem? Pois é. Hoje foi um desses dias.
Meu e-mail apitou logo cedo. Eu já sabia que algo estava errado desde o dia anterior, quando Fabiano pediu para conversarmos "com calma" na manhã seguinte.
Ninguém usa o termo "com calma" para dar boas notícias. E, mesmo já esperando, a sensação de ver o fatídico "Demissão" na tela me atingiu como um soco no estômago.
"Prezada Mariana, sentimos muito informar..."
Blá, blá, blá. Nada que eu não esperasse. Ainda assim, o impacto não foi menor.
Fechei o laptop e me encostei na cadeira, tentando processar. A realidade é que, nos últimos dois anos, a vida tem sido um compilado de perdas. Primeiro, meus pais e meu irmão. Agora, o emprego. O que mais me espera?
Eu não estava bem há muito tempo, mas sempre tentei disfarçar. Quando perdi meus pais e meu irmão naquele acidente, algo dentro de mim foi junto. Fabiano, meu chefe, foi paciente no começo.
"Volta quando se sentir pronta," ele disse, naquela época.
Eu até tentei, voltei ao escritório, mantive uma máscara de normalidade por algum tempo. Mas os olhares... Os sussurros... A forma como todos me olhavam como se eu fosse quebrar a qualquer momento. Era insuportável.
Logo, Fabiano me colocou em home office. Ele dizia que era por conta do meu bem-estar, mas, com o tempo, ficou claro que era porque meus colegas de trabalho se sentiam incomodados comigo.
Eu era um lembrete constante de que a vida é frágil, de que tragédias acontecem, e ninguém quer esse tipo de energia por perto.
O que eu deveria fazer, afinal? Engolir a minha tristeza e fingir que ela não existia?
Fabiano me ligou depois de enviar o e-mail. Tentei não atender, mas ele insistiu. Queria "conversar".
"Como se a demissão por e-mail não fosse humilhante o suficiente.", debochei da minha própria desgraça.
Atendi, e do outro lado da linha veio aquele tom paternalista que ele tanto gostava de usar comigo.
— Mariana, não foi uma decisão fácil... Você sabe, estamos passando por um momento difícil e precisamos cortar algumas despesas.
Tradução: você é um peso. E, sinceramente, talvez eu seja mesmo.
Não consegui dizer nada, apenas ouvi enquanto ele prosseguia, fingindo empatia.
— Os outros funcionários... bom, eles têm comentado. Sabe, desde a tragédia, você mudou. É normal, claro, mas eles não sabem lidar bem com isso. A energia está... diferente.
Tive que respirar fundo para não jogar o telefone longe.
— Você se tornou mais fechada, mais... sombria. E isso afeta o ambiente. Os clientes, os colegas. Todos estão notando, e acho que é importante, para o seu próximo emprego, tentar, pelo menos, esconder esse lado mórbido.
"Mórbido."
Ele usou essa palavra. Quase ri de tão absurdo que foi ouvir aquilo.
Ele estava me demitindo porque eu não era mais "agradável" para as pessoas ao meu redor. Porque, após perder minha família, eu me tornei alguém que não sabia mais sorrir o tempo todo e fingir que a vida é maravilhosa.
— Mariana, ouça. Não estou dizendo que isso é culpa sua. Só estou tentando te ajudar a entender que, no próximo emprego, pode ser importante... suavizar essas coisas. As pessoas se incomodam com essas energias. Você sabe como é o mercado de trabalho, não é? Precisa tentar uma aparência mais leve, ou será difícil se manter.
Fabiano não tinha interesse em saber o que eu estava passando. Para ele, era só uma questão de "manter o ambiente leve". Não importava se eu tinha perdido tudo.
Precisei conter as lágrimas. Não era exatamente Fabiano que me fazia querer chorar, mas o peso de suas palavras, que refletiam cruelmente a realidade sufocante que eu estava vivendo. A dor, essa companheira amarga, é algo que as pessoas costumam respeitar, mas só até certo ponto.
Quando ela passa a ser inconveniente, quando dura mais do que esperam, elas querem que você a guarde, que disfarce, que a esconda.
Será que eles não entendem que nem sempre é possível esconder o que está te matando por dentro?
— Claro, Fabiano. Eu entendi. — Minha voz saiu seca, como se fosse difícil até falar.
— Olha, eu realmente sinto muito. Sei que vai encontrar algo logo. Você é talentosa, só precisa se reerguer. Não deixa isso te abater, ok?
Fiz que sim com a cabeça, mesmo sabendo que ele não podia me ver. Era automático, como se eu precisasse passar a ideia de que estava bem. Mas, por dentro, o peso daquilo me puxava para baixo, como se eu estivesse me afogando.
Quando a ligação terminou, joguei o celular sobre a mesa com força e fechei os olhos. Senti o mundo girando, me sufocando, como se estivesse à deriva, sem controle.
O peito doía. Meus pensamentos corriam, sem parar. Eu me perguntava se essa dor iria embora algum dia, ou se eu estava destinada a viver assim, carregando um vazio que parecia nunca se preencher.
— Será que essa dor não vai embora nunca? — sussurrei, sem esperar resposta. As lágrimas começaram a rolar, e um soluço escapou. O tipo de soluço que vem do fundo, que você não consegue controlar, mesmo quando tenta ser forte.
Eu estava tão cansada de ser forte.
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Acordo com a Fera [Paixões Rurais - Vol.2]
RomanceTrilogia Paixões Rurais | #2 Mariana estava acostumada a perdas. Mas no dia de seu aniversário, ao fazer um simples pedido, sua vida vira de cabeça para baixo. Sem entender como, ela acorda em uma fazenda no ano de 1859, diante de um homem misterios...