Capítulo I:

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Era o ano de 1760, designado por profundas mudanças que assolavam a Inglaterra. O país, ainda nos primeiros sopros da Revolução Industrial, via-se envolto em uma trama de mudanças que teciam tanto o campo quanto a cidade com fios de incerteza. Em Yorkshire, região bucólica e até então incólume ao frenesi urbano, sentiam-se os primeiros ventos dessa transformação que prometia alterar a ordem estabelecida.

Eliza Collins, jovem de dezenove anos, era a primogênita de uma família que cultivava a terra com modéstia e dignidade. Filha de James Collins, um lavrador de alma nobre e veterano das agruras da Batalha de Waterloo, e de Anne Collins, mulher cuja fibra era forjada na adversidade, Eliza crescera numa vila cujos valores se enraizavam na simplicidade da vida rural. Seus dois irmãos mais jovens, Tom e Alice, ainda eram tenros de espírito, e, portanto, não haviam compreendido na plenitude a gravidade das tribulações que a vida recentemente lhes impusera.

James Collins, homem de estirpe indomável, retornara dos campos de batalha marcado não apenas pelas cicatrizes visíveis, mas pelas chagas invisíveis que a guerra cravara em seu ser. Mesmo assim, dedicara seus últimos anos ao cultivo da terra com diligência e honra, sendo um exemplo de virtude para todos os que o conheciam. Sua recente morte deixara uma ausência imensurável, um vazio não apenas no seio de sua família, mas também no coração da comunidade. Seu falecimento fora um golpe que os Collins, embora resilientes, lutavam para suportar.

Anne, viúva de espírito inquebrantável, assumira o fardo de sustentar a família com uma firmeza que escondia sua dor. Os cabelos, outrora escuros, já mostravam sinais de prata, e o semblante, embora austero, revelava o cansaço acumulado pela perda e pelas responsabilidades que agora recaíam sobre seus ombros. Ainda assim, a senhora Collins mantinha a casa funcionando, embora o esforço lhe custasse a saúde.

Eliza, cuja beleza residia mais na compostura e na força do que nos traços delicados, sentia o peso da responsabilidade, como um manto invisível que a envolvia. Seus cabelos castanhos estavam, naquele dia, presos com simplicidade, e vestia um modesto traje de lã cinzento, adequado às suas novas funções. O espírito que a habitava era firme, e sua decisão de abandonar a tranquilidade do lar para servir à família Harrington, ainda que dolorosa, era irrevogável. As circunstâncias exigiam tal sacrifício, e ela, em seu coração, aceitara tal sina com a dignidade que sua posição lhe exigia.

A morte de seu pai trouxera consigo não apenas o luto, mas também a ruína financeira. Sem a renda que ele proporcionava, as dificuldades aumentaram exponencialmente. A doença que assolava sua mãe exigia cuidados médicos que a modesta fortuna dos Collins já não podia prover. Assim, a jovem Eliza, após ouvir rumores de que a casa dos Harrington necessitava de novas serviçais, decidiu que se empregaria ali. Ainda que a ideia de se rebaixar a tal condição fosse-lhe amarga, a necessidade sobrepunha-se ao orgulho.

A despedida, naquela manhã cinzenta e melancólica, foi marcada por um silêncio pesado. O calor da lareira na sala contrastava com o frio outonal que se insinuava pelas frestas das janelas. Eliza, com o coração apertado e a mente envolta em um turbilhão de emoções, aproximou-se da mãe para o último adeus antes de sua partida.

- Minha mãe - disse Eliza, sua voz embargada pela emoção que não conseguia conter -, prometo que voltarei assim que puder. Hei de encontrar um meio de ajudá-la, a senhora e meus irmãos.

Anne Collins, cujos olhos estavam marejados de lágrimas contidas, ergueu a mão trêmula para acariciar o rosto da filha. Seu olhar, uma mistura de orgulho e dor, deteve-se por um momento no semblante da jovem.

- Minha querida Eliza - respondeu com voz baixa, mas firme -, sempre foste a luz que guiou esta casa. Sei que, onde quer que vás, carregarás contigo o espírito dos Collins. Não te esqueças de quem és, e não permitas que o brilho da opulência te faça esquecer o valor da simplicidade.

Essas palavras, ditas com o peso de uma vida cheia de provações, foram para Eliza um bálsamo e uma advertência. O mundo ao qual estava prestes a adentrar era um de ostentação e aparências, onde a verdadeira nobreza do caráter seria, sem dúvida, desafiada.

Eliza caminhava pela trilha de terra que levava à propriedade Harrington com um sentimento de inevitabilidade. O ar fresco da manhã outonal trazia consigo o aroma da terra molhada e das folhas caídas, um contraste amargo com as transformações que agora se tornavam visíveis no horizonte. As pequenas aldeias, antes imutáveis em sua serenidade, agora viam-se invadidas pelas fábricas que surgiam como chagas na paisagem. A fumaça e o ruído das máquinas eram sinais inequívocos de uma nova era que se erguia, alterando para sempre o que outrora fora uma vida simples.

Ao longe, a imponente mansão dos Harrington surgiu como um colosso. A grandiosidade de suas torres e a vastidão de seus jardins pareciam querer intimidar aqueles que se aproximavam. Eliza sentiu um frio gélido percorrer-lhe a espinha, uma premonição de que sua vida nunca mais seria a mesma.

Eliza Collins: A Empregada da Mansão Harrington Onde histórias criam vida. Descubra agora