Capítulo IV

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Catherine Harrington, primogênita do nobre Lorde Richard Harrington, era uma jovem de vinte anos, cuja beleza singular destacava-se, ainda que sua postura altiva revelasse uma melancolia oculta. Seu semblante, delicadamente esculpido pelas mãos do destino aristocrático, carregava traços da graça e decoro que lhe eram impostos desde tenra idade. Contudo, em seu olhar profundo e, por vezes, perdido, vislumbrava-se o peso de uma alma que ansiava por algo além dos confins do mundo privilegiado ao qual fora confinada.

Eliza, até então uma simples criada no vasto universo dos Harrington, adentrou os aposentos de Catherine numa tarde em que fora incumbida de substituir a serviçal habitual. A suíte da jovem, ornamentada com móveis de rara elegância e delicadeza em tons de azul e dourado, evidenciava o esplendor e a riqueza da família. Catherine encontrava-se diante do espelho, com seus longos cabelos negros caindo suavemente sobre os ombros, mas, apesar da proximidade com seu reflexo, não parecia enxergar-se, imersa que estava em pensamentos mais profundos e distantes.

Com discrição, Eliza aproximou-se, carregando os lençóis limpos, esforçando-se para não perturbar o aparente devaneio da jovem. Contudo, foi surpreendida por uma súbita indagação vinda de Catherine, cuja voz, embora suave, carregava uma autoridade inquestionável.

— És a nova criada, presumo? — As palavras da senhorita Harrington, enquanto mantinha o olhar fixo no espelho, não foram mera formalidade. Havia nelas uma mistura de curiosidade e distanciamento.

— Sim, senhorita. Chamo-me Eliza Collins. — Respondeu a criada com uma respeitosa reverência, conforme os protocolos exigiam.

Por um breve instante, um silêncio pairou entre as duas. O olhar de Catherine, porém, fixou-se com mais intensidade no espelho, como se, ao contemplar-se, buscasse respostas para questionamentos que talvez não pudesse expressar em palavras. Subitamente, sua voz soou novamente, desta vez carregada de um peso que surpreendeu Eliza.

— Acreditas, Collins, que é possível ser verdadeiramente feliz neste mundo? — perguntou Catherine, com um tom que transbordava melancolia.

Eliza, tomada por leve assombro, não esperava tal interrogação vinda de uma dama cuja vida, à primeira vista, parecia envolta em luxos e privilégios. No entanto, ao perceber a sinceridade no olhar de sua senhora, soube que aquela pergunta não era mero capricho.

— Não sei ao certo, senhorita — começou Eliza, ponderando suas palavras. — Talvez a felicidade resida em momentos simples, em gestos que passam despercebidos aos olhos, como o calor de um dia ensolarado ou a alegria contida numa carta que chega de terras distantes.

Catherine, ainda com os olhos no espelho, esboçou um sorriso tênue, quase imperceptível.

— Momentos simples... — murmurou, como se refletisse profundamente sobre a resposta recebida. — No entanto, pergunto-me se esses momentos são suficientes para preencher o vazio que me consome. A cada dia sinto como se vivesse uma vida que não me pertence, moldada por expectativas que nunca foram minhas.

O silêncio que se seguiu entre elas foi denso, quase palpável, e Eliza sentiu uma inesperada empatia pela jovem senhora. Embora ocupassem lugares tão distintos na ordem social, havia algo no tom de Catherine que fazia Eliza perceber que, de certa forma, ambas estavam aprisionadas — uma, nas correntes da tradição; a outra, nas amarras da servidão.

Com o passar dos dias, Eliza pôde testemunhar a tristeza latente em Catherine manifestar-se em pequenos gestos: nos longos suspiros que escapavam de seus lábios delicados, nos olhares que se perdiam para além das janelas imponentes da mansão, como se buscasse algo que o mundo ao seu redor não pudesse oferecer.

Catherine era, de fato, a fiel herdeira dos Harrington. Irmã mais velha de Julian, que desde cedo mostrava pouca inclinação para os deveres de sua posição e preferia uma vida rebelde, dedicada a seguir seus próprios prazeres. Desde a infância, fora treinada para desempenhar seu papel com perfeição. Seu pai, Lorde Richard, um homem severo e de poucas palavras, via em sua filha a extensão de seu legado. Embora o amor que nutria por Catherine fosse genuíno, ele manifestava-se de maneira fria e calculada, como se as emoções fossem algo a ser subjugado em prol da honra familiar. Prepará-la para um matrimônio vantajoso era, aos olhos de Lorde Richard, o maior ato de proteção que poderia oferecer à sua filha.

Numa tarde particularmente serena, enquanto Eliza auxiliava Catherine na escolha de um traje para um jantar importante, a jovem senhora deixou transparecer parte do peso que lhe oprimia a alma.

— Meu pai deseja que eu me una a Lorde Alfred de Lancaster — disse Catherine, segurando nas mãos um vestido azul de tecido refinado, observando-se no espelho com resignação. — Ele possui todas as qualidades que meu pai valoriza... riqueza, prestígio... e, no entanto, é um estranho para mim.

Eliza, ao ouvir tais palavras, sentiu uma profunda compaixão por Catherine. A jovem, cujo destino parecia tão cuidadosamente traçado, era, na verdade, uma prisioneira de convenções e expectativas. Para ela, o matrimônio não seria um laço de afeto ou companheirismo, mas uma aliança forjada pelo poder e pelo interesse.

— E o que desejais, senhorita? — ousou perguntar Eliza, com voz suave, consciente do risco de sua indagação.

Catherine virou-se lentamente, encarando Eliza com um olhar profundo, que revelou toda a intensidade de seus sentimentos reprimidos.

— O que desejo? — repetiu Catherine, num tom que oscilava entre o desespero e a resignação. — Desejo ser livre, Collins. Livre para descobrir quem sou, para fazer minhas próprias escolhas... mas parece que a liberdade é um privilégio negado às mulheres de meu estatuto.

Aquela confissão permaneceu no ar como um eco de verdades indizíveis. Antes que Eliza pudesse responder, o mordomo, Harrison, anunciou que o jantar estava servido. Catherine, como tantas vezes antes, ajeitou-se com graciosa conformidade, ocultando, sob uma fachada impecável, os desejos e dores que jamais poderiam ser compreendidos por aqueles que a cercavam.

Naquela noite, enquanto observava Catherine descendo as escadas com a elegância de uma verdadeira dama, Eliza não pôde deixar de perceber o quanto sua senhora, apesar de todo o brilho que a envolvia, era como um pássaro enjaulado, cujas asas jamais conheceriam a plenitude do voo.

Eliza Collins: A Empregada da Mansão Harrington Onde histórias criam vida. Descubra agora