Capítulo III:

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Na manhã seguinte, Eliza Collins, a recém-incumbida criada, foi designada para uma das mais nobres e imponentes tarefas da mansão Harrington: a limpeza da magnífica biblioteca. Este recinto não se configurava meramente como um espaço para leitura, mas sim como um relicário de memórias e tradições ancestrais, testemunho silencioso da glória de gerações passadas. O ar, denso com o odor do couro das encadernações, cera de móveis finamente talhados e o indefinível perfume do tempo, envolvia Eliza num manto de respeito e veneração.

Ao adentrar aquele santuário de erudição, seus olhos deslizaram pelas altíssimas estantes de carvalho, que se erguiam imponentes do chão ao teto, como se desejassem tocar os céus. Carregadas de volumes antigos, suas lombadas de couro enfeitadas com letras douradas reluziam à luz suave da manhã, conferindo à sala um brilho quase celestial. As grandes janelas arqueadas permitiam que os tímidos raios de sol filtrassem-se, lançando sombras longas e sinuosas que dançavam silenciosamente sobre o chão de mármore polido.

A cada passo, Eliza sentia o peso da história ao seu redor, como se fosse observada pelos próprios espíritos dos Harrington, que a vigiavam atentamente do além. Livros de filosofia, ciência, história e poesia repousavam nas prateleiras, testemunhas silenciosas de séculos de saber acumulado. Relógios de sol, globos e instrumentos de navegação decoravam os cantos da biblioteca, símbolos da ligação indelével da família Harrington com o comércio e a exploração marítima, que alicerçaram sua imensa fortuna.

Eliza, em sua posição humilde, sentia-se quase uma intrusa naquele ambiente sagrado, mas a grandeza de sua tarefa impunha-lhe um senso de responsabilidade inegável. Com um pano de linho nas mãos, ela começou a esfregar a madeira polida da mesa central, cada movimento meticuloso e reverente, como se limpasse não apenas objetos, mas as lembranças de uma dinastia.

O silêncio profundo foi subitamente interrompido pelo som sutil da porta se abrindo. Eliza parou, como se o próprio ar houvesse sido retirado de seus pulmões. Ao se virar, seu olhar encontrou a imponente figura de Lord Richard Harrington, o patriarca da casa. Ele estava parado à entrada, observando-a com uma intensidade que a fez estremecer.

Lord Richard, alto e de porte altivo, trajava um terno escuro feito sob medida, cujos botões de ouro reluziam sob a luz da manhã. Seus cabelos, embora começassem a ostentar fios grisalhos nas têmporas, ainda mantinham o vigor de sua juventude, cuidadosamente penteados para trás. Mas o que mais impressionava eram seus olhos, de um azul gélido e penetrante, que pareciam enxergar muito além das aparências.

- A nova criada, suponho? - indagou ele, sua voz grave e controlada, reverberando pelo recinto com uma autoridade incontestável. - Qual é o seu nome?

Eliza, apanhada de surpresa pela presença tão austera, fez uma reverência tímida e rapidamente tentou recuperar a compostura. Sua voz, embora trêmula, manteve-se firme o suficiente para não falhar.

- Sim, milorde. Meu nome é Eliza Collins - respondeu ela, sem conseguir disfarçar o leve nervosismo em seu tom. - Estou aqui para servir da melhor forma possível, milorde.

Os olhos de Lord Richard, inabaláveis em sua frieza, fixaram-se nela por um momento que pareceu uma eternidade. Era um homem conhecido por seu rigor e astúcia, qualidades que lhe renderam tanto admiração quanto temor. Seu silêncio era perturbador, mas não demonstrava pressa em quebrá-lo. Finalmente, ele falou:

- Harrison a colocou imediatamente para trabalhar, vejo - comentou ele, sem nenhuma inflexão que denotasse aprovação ou reprovação. - Espero que compreenda a magnitude da responsabilidade que carrega ao trabalhar nesta casa.

Lord Richard começou a caminhar lentamente pela biblioteca, suas mãos cruzadas atrás das costas, seu olhar vagando pelos livros como se fossem velhos conhecidos. Seus passos ecoavam suavemente no mármore, e a própria biblioteca parecia se curvar diante de sua presença, como se reconhecesse o mestre que a habitava.

- Esta mansão - continuou ele, sua voz reverberando com um peso ancestral - não é apenas uma casa. É um testemunho de séculos de tradição e sacrifício. Cada detalhe aqui, cada livro, cada peça de mobiliário, carrega a história de minha família. Não esperamos menos do que perfeição daqueles que têm o privilégio de manter esse legado vivo.

Aquelas palavras, carregadas de um orgulho solene, caíram sobre Eliza como uma sentença. Ela sabia que qualquer deslize seria imperdoável, e que estava diante de um homem para quem a excelência era a única medida de valor. Respirando fundo, ela respondeu, tentando ocultar o medo que lhe apertava o peito.

- Compreendo, milorde. E farei o possível para estar à altura de tal responsabilidade - disse Eliza, sua voz agora mais firme, porém respeitosa.

Lord Richard permaneceu em silêncio por um instante, observando-a com aquele olhar que parecia despir-lhe a alma. Em seguida, apenas acenou levemente com a cabeça.

- Veremos - disse ele, antes de virar-se e sair do aposento, deixando atrás de si um silêncio ainda mais profundo do que antes.

Quando a porta finalmente se fechou, Eliza deixou escapar um suspiro que nem percebera estar prendendo. Sabia que aquele encontro fora apenas o começo, e que a mansão Harrington, com todo seu esplendor e mistérios, se tornaria um cenário para desafios e intrigas que ela ainda não podia imaginar.

Eliza Collins: A Empregada da Mansão Harrington Onde histórias criam vida. Descubra agora