As tardes na mansão Harrington tornavam-se, a cada dia, mais densas, e o ambiente entre os seus habitantes refletia essa crescente tensão. Catherine, jovem habituada a uma certa liberdade, via-se agora enredada numa teia de expectativas e pressões familiares, com o iminente casamento com Alfred pairando sobre sua cabeça qual sentença inapelável.
Naquela tarde, a mansão estava envolta em silêncio. Catherine havia se refugiado na sala de música, buscando consolo na única coisa que lhe oferecia algum alívio: o piano. Seus dedos deslizavam pelas teclas, arrancando uma melodia suave e melancólica, enquanto seus pensamentos corriam livres por entre as notas. Sentia-se oprimida, e cada toque revelava mais de sua angústia, de seus receios.
Eliza, a caminho da cozinha para cumprir suas incumbências diárias, deteve-se ao ouvir a melodia que ecoava do salão. A música prendeu-lhe a atenção, e sem querer, foi atraída até a porta da sala de música. Pôde ver Catherine ao piano, imersa na sinfonia que criava, e por um breve momento, Eliza esqueceu-se de sua condição de criada. Ela sentia uma profunda empatia pela jovem dama, cujas dores, ainda que vividas em esferas distintas, pareciam ecoar as suas.
De súbito, a porta foi aberta com impetuosidade. Alfred adentrou o recinto, e Catherine cessou abruptamente de tocar. O silêncio que se seguiu tornou-se insuportável. A presença imponente de Alfred enchia a sala sem necessidade de palavras.
— Estou a interromper algo? — Sua voz ressoou casual, mas havia nela uma corrente subterrânea de tensão.
— Não, milorde. — Catherine respondeu, erguendo-se do banco com uma leveza forçada, sem jamais ousar encará-lo diretamente. — Apenas tocava para passar o tempo.
Alfred avançou, seus passos firmes ecoando no ambiente. Parou a poucos metros dela, seus olhos frios analisando-lhe cada movimento.
— Tocais com primor. — Disse ele, mas o elogio soava desprovido de afeição, mais uma observação vazia que um reconhecimento genuíno. — Pergunto-me... o que vos aflige tanto que vos leva a tocar estas canções tão tristes?
Catherine engoliu em seco, lutando para manter a compostura. Eliza, ainda oculta, percebeu o desconforto crescente da jovem dama. A tensão entre os dois era tangível, quase palpável.
— A música... — respondeu Catherine, a voz hesitante, — é a minha forma de expressão. Por vezes, é mais fácil tocar do que proferir palavras.
Alfred aproximou-se mais, diminuindo a distância que já lhe parecia sufocante. Seu olhar penetrante avaliava-a como um predador diante de sua presa. Catherine deu um passo atrás, sentindo-se encurralada.
— Contudo, há momentos em que as palavras são necessárias. — Murmurou ele, com os olhos fixos nos dela. — Precisamos falar de nosso futuro, Catherine. Adiamos esta conversa por demasiado tempo.
O coração de Catherine apertou-se com a menção ao futuro e ao casamento, que lhe causavam um profundo mal-estar. Não podia sequer conceber um futuro ao lado de Alfred, e no entanto, as pressões familiares a envolviam como correntes.
— Eu... — tentou articular, mas sua voz falhou. — Ainda... não estou pronta.
Alfred franziu o cenho, visivelmente incomodado com a hesitação dela. Cruzou os braços, seu sorriso frio não alcançando os olhos.
— Não estais pronta? — Repetiu ele, com uma condescendência gélida. — Estamos noivos há meses. Vossa família, a minha, todos esperam que o anúncio do casamento seja feito brevemente. Não me digais que estais a reconsiderar, Catherine.
Ela sentiu o peso esmagador das expectativas que lhe eram impostas. Desejava poder gritar, confessar que aquele não era o destino que escolhera, que ele não era o homem a quem desejava unir-se — se é que alguma vez sentira por ele qualquer afeto. Mas sua voz ficou presa, aprisionada junto aos seus anseios.
— Não, milorde. — Respondeu finalmente, com um fio de voz. — Apenas... gostaria de mais tempo. Para vos conhecer melhor, talvez. Afinal, passaremos o resto de nossas vidas juntos.
Alfred pareceu relaxar com tal resposta, embora seus olhos ainda a perscrutassem, como se quisesse enxergar o que se escondia por trás das palavras ditas.
— Teremos todo o tempo do mundo para isso, minha querida. — Disse ele, com um sorriso que fez Catherine sentir-se ainda mais inquieta. — Todo o tempo do mundo.
Com isso, afastou-se, aparentemente satisfeito com a resposta. Catherine soltou um suspiro trêmulo quando ele saiu da sala, mas suas mãos ainda tremiam. A pressão que sentia era avassaladora, e o futuro que se desenhava à sua frente parecia negro e inexorável.
Eliza, do seu esconderijo, observava tudo com o coração apertado. Sabia o que era ser prisioneira de um destino que não escolhera. Embora Catherine fosse uma nobre e ela, uma simples criada, ambas estavam acorrentadas a expectativas que não haviam determinado. Uma onda de compaixão e empatia percorreu o peito de Eliza, que se viu refletida na jovem dama. A única diferença era que Eliza podia ocultar-se nas sombras, enquanto Catherine estava sob os holofotes, vigiada por todos.
Quando a sala finalmente ficou em silêncio, Eliza retomou suas tarefas, mas seus pensamentos permaneceram com Catherine. Sabia que nada poderia fazer para alterar a sorte da jovem nobre, mas a admiração e a compaixão que sentia por ela só se intensificavam. De algum modo, isso tornava sua própria luta um pouco menos solitária.
Catherine, por sua vez, ficou sozinha na sala de música, os dedos ainda repousando sobre as teclas, porém sem a leveza de antes. Cada nota parecia carregar o peso de um futuro que ela não desejava, mas que parecia inevitável.
Suspirou, e com os olhos fechados, permitiu-se, por um breve momento, sonhar com uma realidade diferente, onde ela pudesse ser livre para escolher seu destino. Porém, ao abrir os olhos, a dureza do presente voltou a oprimir-lhe o espírito.
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Eliza Collins: A Empregada da Mansão Harrington
Historical FictionApós a fatídica morte de seu pai, a jovem e sonhadora Eliza Collins vê-se compelida a aceitar o posto de empregada na opulenta Mansão Harrington, a fim de prover sustento à sua mãe e a seus dois irmãos menores. Neste ambiente de requinte e ostentaçã...