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Acordei com as batidas insistentes na porta, a voz rouca do meu pai ecoando pelo corredor. Ele estava gritando, exigindo que eu saísse da cama. O som era brutal, e mesmo ainda meio atordoado, o reconhecimento do que me aguardava começou a se infiltrar na minha mente.

— Levanta, seu vagabundo! — ele berrava, a paciência já se esgotando. — Não tenho o dia todo!

Suspirei, tentando ignorar a tensão que se acumulava em meu peito. Levantei-me da cama, ainda vestindo a mesma roupa de ontem, com o cheiro do suor e da dor impregnado em mim. Com um esforço, abri a porta e encarei meu pai. Ele estava em pé, os olhos com um brilho perigoso, e eu sabia que era melhor não provocá-lo.

— Vai cozinhar alguma coisa! — ele gritou, me empurrando para o corredor. — Estou morrendo de fome!

Com um aceno involuntário, me dirigi para a cozinha. No fundo, uma parte de mim queria discutir, reclamar, mas sabia que isso não levaria a lugar algum. Ele estava em um daqueles dias — a bebida tinha um jeito de fazer a raiva e a impotência dele transbordarem.

Entrei na cozinha, tentando me concentrar em preparar a refeição. Mas a cada minuto, sentia a presença dele mais próxima. Ele apareceu na porta, um sorriso estranho nos lábios, enquanto balançava a cabeça como se estivesse sob algum tipo de encanto.

— O que você está fazendo, garoto? — ele perguntou, com uma voz que oscillava entre o amigável e o ameaçador.

Ignorei, focando na comida que estava fervendo. O cheiro do tempero preenchia o ar, mas não conseguia desviar meu olhar do fogão. Então, ele se aproximou, colocando uma mão no meu ombro, e começou a cantarolar uma música aleatória, mas a melodia era desafinada e cheia de risos.

Era evidente que ele havia bebido, e isso me deixou ainda mais ansioso. Tentei desviar o olhar, a tensão crescendo em meu corpo. Apenas queria que ele saísse e me deixasse em paz. O que ele queria de mim? Estava claro que não era ajuda, mas sim uma maneira de se sentir superior.

— Você deveria se divertir mais, sabe? — ele continuou, passando a mão pela minha cabeça, mas ignorei. Não queria ser parte daquele espetáculo. Era apenas mais uma tentativa de distrair-se da vida que levava.

Quando finalmente terminei de cozinhar, coloquei o prato na mesa, sentindo a adrenalina disparar em meu corpo. Ele estava se afastando, mas sua presença ainda pairava no ar, pesada e opressiva.

— Agora vai tomar banho! — ele disse, e não esperei mais. Apressadamente, deixei a cozinha e subi as escadas, sentindo o desejo de escapar daquela situação sufocante.

No banheiro, a água quente se tornou um abrigo, e eu me permiti um momento de alívio. O vapor envolvia meu corpo, limpando não apenas a sujeira física, mas também um pouco da dor emocional. Eu precisava me preparar para o dia que estava por vir, mesmo sabendo que as lembranças de ontem ainda me assombravam. A vida estava longe de ser fácil, mas por enquanto, no calor da água, tudo parecia um pouco mais suportável.

Após terminar meu banho, vesti rapidamente o uniforme. A camisa branca, que costumava ser um símbolo de novas oportunidades, agora me lembrava apenas das obrigações e das interações difíceis que eu teria que enfrentar mais tarde. O uniforme estava um pouco apertado, mas era apenas um detalhe que eu tentava ignorar.

Desci as escadas, o cheiro da comida ainda pairando no ar. O coração acelerado, empunhei o prato com cuidado, tentando manter a compostura. Assim que entrei na sala, o vi sentado no sofá, com um olhar distante, como se estivesse perdido em seus próprios pensamentos. O som da colher batendo contra o prato ecoava na tranquilidade da casa.

— Ei, garoto! — ele disse sem olhar para mim, mas eu sabia que ele estava me observando.

Sentei-me no sofá, tentando não prestar atenção na sua presença. Comecei a comer, o gosto da comida estava salgado demais, mas eu não tinha apetite para reclamar. Apenas mastigava, contando os segundos para que aquele momento acabasse.

Desejo (I)MortalOnde histórias criam vida. Descubra agora