Assisti a fumaça do cigarro vagar pela noite fria, nem o havia colocado na boca, apenas o assisti queimar até o filtro. A enxaqueca estava me matando, desde a nossa parada no reino de Narubi não tive uma noite de sono decente. Já devia fazer uma hora, talvez duas, que estava sentado no convés enquanto tentava escrever uma carta explicando a Albert tudo o que aconteceu nos últimos meses, nada parecia ser bom o suficiente.
Por volta das três da manhã, minha paz foi interrompida quando ouvi passos vindo em minha direção, sabia a quem pertencia aquele pisar fraco e de certa forma cauteloso, eu decorei o som depois de tanto tempo que ele passava na cabine, portanto nem sequer levantei os olhos para encarar o loiro a minha frente.
— O que faz aqui em plena madrugada?
Levantei a cabeça e me deparei com as íris azuis de Tarquinn me olhando com certa curiosidade. Suspirei cansado, o loiro deve ter percebido isso já que se sentou ao meu lado e me ofereceu um cantil que agarrei sem nem pensar duas vezes, então larguei o caderno de lado e virei o líquido. O rum desceu queimando a garganta, foi uma quentura boa e acenei em agradecimento ao capitão.
— Não estou no meu juízo perfeito. — Respondi finalmente. — Sério, parece que minha cabeça foi atropelada por uma carroça.
— Agora entendo porque não fugiu no dia em que estávamos em Narubi. Faz muito tempo?
— O quê?
— As dores. Faz muito tempo?
Tarquinn bebeu um gole e me devolveu a garrafa. Eu ri sem humor pela pergunta. Pensei bem se deveria responder ou não, definitivamente o rapaz não era alguém em que eu deveria confiar, porém naquele momento não me importei.
— Desde os quinze anos. E eu já tenho vinte e seis, então.. É, já tem muito tempo.
— Compreendo. Eu estava prestes a fazer um chá, também não durmo bem. Me acompanhe, farei um para você.
Meu instinto de sobrevivência pedia incansavelmente para que não fosse, mas meu cérebro não pensava com clareza após alguns goles da bebida, portanto acompanhei meu querido inimigo até a cozinha.
Tarquinn se movimentava com calma, fazendo as coisas o mais silencioso possível. Colocou a água para esquentar e pegou dois pratos colocando um pedaço de pão em cada um deles. De repente ele parou e se virou para mim.
— Estou entediado, vamos jogar algo.
— Quantos anos você tem? Cinco?
O loiro me ignorou totalmente e continuou misturando ervas na água.
— Vamos jogar um joguinho de honestidade. Cada um tem direito a uma pergunta contanto que o outro seja completamente honesto. Se mentir eu vou saber.
Um sorriso apareceu involuntariamente e contive a vontade de soltar uma gargalhada.
— O capitão me permitiria começar? — Quando o mesmo assentiu, pensei bastante no que perguntaria até que algo me surgiu. — Por que permite que todos te chamem de "demônio dos mares"? Já te ouvi falando para a Caty que não gosta desse título.
James pensou um pouco e se sentou à mesa, me sentei à sua frente enquanto aguardava impacientemente.
— Status, eu acho. Esse apelido horrível me trouxe coisas boas mesmo boa parte do mundo não sabendo sobre minha face. Qual pirata não gosta de ter um status? — Eu acenei em concordância, achando aquela resposta satisfatória — Agora é minha vez. Por que não tinha uma tripulação?
— Não quis. Eu queria provar que conseguia conquistar tudo sozinho. Certo, por que uma tripulação pequena? — Perguntei enquanto bebericava o chá.— Você teria muito mais fama com uma tripulação grande.
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Entre às águas
RomanceUm pirata sem uma tripulação era motivo de piada ao redor dos mares. Corber estava determinado a fazerem eles pensarem o contrário quando aceitou o trabalho de assassinar o maior pirata que navegava pelas águas.