Não havia como dizer que Claire acordou mais leve naquela manhã. A noite anterior fora marcada por uma tempestade interna, com pensamentos girando incessantemente em sua mente, uma confusão de dúvidas, perguntas e possíveis respostas. Os tópicos que havia anotado no caderno permaneciam gravados em sua cabeça, criando um eco persistente que a impedia de encontrar paz. Dormiu pouco, e as poucas horas de descanso foram interrompidas por sonhos confusos e imagens que não conseguia decifrar. No fundo, ela sabia que sua vida estava prestes a mudar, mas ainda não sabia como ou quando. E isso a assustava.
Levantou-se com dificuldade, sentindo o corpo pesado, como se estivesse carregando o peso das sombras do passado que agora começavam a emergir. Vestiu-se mecanicamente, com a mente ainda perdida nas teorias que havia formulado na noite anterior. "Quem era eu? O que eu herdei de meu pai?", pensava enquanto escovava os cabelos, sua expressão refletindo a seriedade de suas dúvidas.
Quando desceu para a cozinha, encontrou sua mãe já ocupada preparando o café da manhã. Maya, como sempre, estava um passo à frente. Ao ver Claire, lançou-lhe um sorriso acolhedor, embora também parecesse notar o cansaço em seus olhos.
— Bom dia, meu amor. Fiz seu prato favorito — disse ela, colocando à mesa uma porção de panquecas cobertas com xarope de bordo e frutas frescas. Claire sabia que essa era a forma de sua mãe tentar alegrá-la, como costumava fazer nos dias difíceis da infância.
Claire sorriu de volta, embora de forma ligeiramente forçada. Sabia que sua mãe estava fazendo o possível para manter o ambiente leve, mas o que pairava sobre elas era impossível de ignorar. A história de seu pai, os segredos que envolviam sua origem, tudo parecia mais presente do que nunca, como uma sombra silenciosa entre as duas.
Elas comeram em relativo silêncio, e Claire agradeceu pela refeição com um leve aceno de cabeça antes de se levantar. Decidiu que iria para a escola sozinha. Precisava de um tempo para organizar os pensamentos e talvez até um pouco de espaço para si mesma, sem ter que lidar com perguntas ou olhares preocupados.
— Claire, não se esqueça do guarda-chuva — disse Maya, apontando para o objeto pendurado na entrada da cozinha. — Vai chover mais tarde.
Claire assentiu, mas saiu sem pegá-lo. O som abafado da porta se fechando foi seguido pela sensação do ar frio da manhã envolvendo-a enquanto ela caminhava pelas ruas de Calantria. As nuvens cinzentas já começavam a se formar no céu, prenunciando a tempestade que se aproximava, mas Claire estava imersa demais em seus pensamentos para se preocupar com isso.
Ao chegar na escola, o ambiente não parecia muito diferente do usual. Estudantes apressados cruzavam o saguão, conversas ecoavam pelos corredores, e o zumbido constante de movimento preenchia o espaço. Claire passou pelo identificador eletrônico com seu cartão e, de repente, percebeu que não havia gravado seus horários. Parou para olhar o papel que havia recebido com a nova grade de aulas, mas sua mente continuava distraída.
E foi nesse momento de distração que tudo aconteceu. Enquanto examinava o papel, esbarrou em alguém, e o impacto foi suficiente para fazer com que diversos papéis se espalhassem pelo chão.
— Não, não! Minha pesquisa! — A voz aguda e um tanto aflita fez Claire levantar os olhos de imediato.
Diante dela, uma menina de longos cabelos lisos e pretos estava agachada no chão, seus olhos grandes e levemente puxados refletindo um pânico contido. Suas feições eram finas e delicadas, quase como as de uma boneca de porcelana, e seus lábios, tingidos de vermelho, contrastavam com sua expressão de preocupação.
— Ah, me desculpe! — Claire disse rapidamente, sentindo uma onda de culpa invadi-la. — Eu realmente sinto muito!
Ela se ajoelhou imediatamente, tentando ajudar a recolher os papéis que haviam se espalhado pelo chão. Cada folha parecia conter anotações minuciosas, gráficos e referências, e Claire percebeu que aquilo não era apenas trabalho de uma tarde. A menina estava claramente investida em sua pesquisa, e Claire sentiu o peso da responsabilidade por ter atrapalhado.
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A Dança das Sombras
DobrodružnéEm um mundo escondido entre as brumas do tempo, onde criaturas míticas dançam nas sombras de suas lendas, uma jovem chamada Claire descobre que a realidade é mais sombria do que os contos que cresceu ouvindo. Quando ela se muda para Calantria, um re...