[03] O espantalho de olhos vazios

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Protagonista: Hyein 

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Desde sempre, Hyein nunca gostou de ir para o campo. O silêncio absoluto e a vastidão da paisagem sempre a deixavam desconfortável. Ela preferia a agitação da cidade, onde o barulho constante das buzinas e das conversas abafava seus pensamentos. Mas, naquela tarde, as amigas insistiram para que ela as acompanhasse em uma rápida viagem ao interior, e, contra sua vontade, ela aceitou.

O dia estava cinzento quando chegaram. As plantações se estendiam até o horizonte, balançando levemente ao vento. As amigas caminhavam animadas, explorando o campo como turistas que acabaram de descobrir um novo mundo. Foi quando elas viram o espantalho.

Ele estava no meio de uma clareira, amarrado a um velho poste de madeira, com braços estendidos como se estivesse pronto para abraçar quem se aproximasse. Sua roupa era um trapo sujo e rasgado, que parecia nunca ter visto a luz do dia, e sua cabeça era feita de um saco de pano amarelado, com um sorriso grotesco costurado com linha vermelha. Mas o que mais chamava a atenção eram os olhos: duas pedras pretas e brilhantes, cravadas fundo no tecido, olhando para o vazio.

— Isso é horrível. — disse Hanni, rindo nervosamente. — Quem diabos faria um espantalho assim?

Danielle aproximou-se do espantalho e tirou uma foto com ele, fazendo uma careta exagerada. 

— É sinistro, mas meio legal também. Imagina isso à noite?

— Deus me livre! — Hyein respondeu, tentando ignorar o arrepio que percorreu sua espinha.

Depois de alguns minutos brincando e tirando fotos, elas voltaram para casa, rindo e fazendo piadas sobre o espantalho esquisito. Mas, naquela noite, quando Hyein se deitou, ela sentiu um desconforto crescente. A imagem dos olhos de pedra a observando não saía de sua mente.

Nas noites seguintes, Hyein começou a ter uma sensação estranha de estar sendo observada. Ao sair de casa pela manhã, ela notou algo que a fez congelar. O espantalho, que deveria estar a quilômetros de distância no campo, estava agora no final da rua, encostado em uma árvore, de cabeça inclinada, como se a estivesse estudando.

"Isso é ridículo", ela pensou, tentando afastar o medo irracional que começava a se formar. "Alguém deve ter movido ele para pregar uma peça." Mas à medida que os dias passavam, o espantalho parecia se mover lentamente, aproximando-se mais a cada noite. Primeiro, estava no fim da rua. Depois, no jardim da casa vizinha. Até que, certa noite, Hyein olhou pela janela e viu o espantalho parado do lado de fora de seu portão.

Ela correu até a porta e trancou todas as fechaduras, o coração batendo rápido. "Não é possível," ela repetia para si mesma, como se isso pudesse dissipar o pânico que tomava conta de seu corpo. Ela sabia que havia algo errado, algo que não podia ser explicado.

Naquela noite, Hyein acordou com um som suave, quase um sussurro, vindo do andar de baixo. Ela abriu os olhos lentamente, ainda se acostumando à escuridão do quarto. O som parou por um momento, apenas para começar novamente, mais alto desta vez. Parecia um arranhar, como unhas deslizando pela parede.

Com as mãos trêmulas, ela pegou o celular e ligou a lanterna, apontando para o canto do quarto. O que viu fez o sangue gelar em suas veias. O espantalho estava ali, de pé, parado no canto, com os olhos de pedra brilhando na luz fraca do celular. Ele não se movia, mas o sorriso costurado parecia mais largo, mais maligno. As pedras que formavam os olhos pareciam brilhar com um brilho malévolo, e por um momento, Hyein jurou que eles pulsavam como se fossem vivos.

Ela tentou gritar, mas a voz não saiu. Tentou se mover, mas seus pés estavam colados ao chão, como se raízes invisíveis a mantivessem presa no lugar. O espantalho deu um passo à frente, e Hyein viu as linhas vermelhas do sorriso se esticarem.

Com um movimento lento, o espantalho estendeu a mão e tocou o rosto de Hyein. A ponta dos dedos era fria e áspera, como madeira velha e apodrecida. Hyein sentiu um calafrio subir por sua espinha enquanto os olhos de pedra brilhavam mais intensamente. Tudo começou a ficar escuro ao seu redor, como se a escuridão estivesse sugando toda a luz do quarto.

Na manhã seguinte, quando as amigas de Hyein foram procurá-la em sua casa, a porta estava destrancada e as luzes ainda acesas. Elas chamaram por ela, mas não houve resposta. Subiram as escadas, temendo o pior, e a encontraram sentada na cama, com a cabeça inclinada para o lado, como se estivesse dormindo. Mas quando se aproximaram, seus gritos ecoaram pela casa.

Os olhos de Hyein estavam vazios, substituídos por duas pedras pretas, brilhantes e frias, exatamente como as do espantalho. O sorriso em seu rosto era grotesco, torcido e inumano, costurado com linha vermelha.

Do lado de fora, encostado no portão da casa, o espantalho permanecia, com olhos humanos olhando fixamente para a janela do quarto.

contos para (não) dormir 𔓕 newjeansOnde histórias criam vida. Descubra agora