A Chegada em Thornewood

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Aquilo era perturbador: a imagem do pobre gatinho deitado, sua vida tirada por uma pessoa desconhecida. Aquilo mexeu com a minha mente de uma forma que não consigo explicar.
Depois do ocorrido, voltei para a frente da pousada. Não consegui fechar os olhos; estava com medo daquele homem aparecer novamente e fazer comigo o que fez com o gatinho. Simplesmente voltei para o meu carro e me tranquei dentro dele. Encolhi-me no banco de trás e deixei algumas lágrimas escaparem.
Um pequeno raio de sol atravessou o vidro do carro, mostrando que já estava amanhecendo. A neblina já havia sumido e era possível ver melhor cada detalhe da rua. Agora eu conseguia ver o beco onde o homem estava e, por incrível que pareça, o beco não tinha saída; ou seja, ele, em algum momento, teve que sair.
E eu não vi...
Resmunguei de dor após esticar o meu corpo dolorido, depois de ficar horas e horas na mesma posição.
-- Senhor, que madrugada foi essa?
Vejo no meu celular que já são seis e vinte e três da manhã.
Um barulho de maçaneta ecoa pela rua. Olho assustada e vejo um homem saindo da pousada; provavelmente deve ser o senhor Flanger. Saio do carro imediatamente, fazendo o homem, já de idade, se assustar.
O senhor Flanger tinha cabelos grisalhos, o rosto bem enrugado e estava com aparência de cansado. Pela história do lugar, ele trabalha aqui há trinta e sete anos diretos, sem folgas ou dias de descanso. A pousada pertencia à sua mãe, e então, quando a dona Siena faleceu, ele herdou a pousada.
-- Senhor Flanger! -- grito, saindo do carro toda desajeitada.
-- Prazer, sou Rai... Raily. -- Gaguejo, morrendo de vergonha por quase ter caído no chão.
-- Raily Nightshade. -- Apresento-me novamente, estendendo minha mão direita.
-- Prazer, senhorita Flanger, mas você já deve conhecer o meu nome. -- O senhor diz, soltando uma gargalhada rouca.
-- Está aqui há quanto tempo, menina? -- Flanger pergunta com curiosidade e preocupação em seu olhar.
-- Cheguei aqui de madrugada, acabei esquecendo que não atendem de noite, então dormi no carro. -- Falei, mostrando um sorriso amarelo.
-- Meu Deus, criança, que perigo! A cidade fica muito perigosa após as oito da noite; glória a Deus que não aconteceu nada com você. -- Senhor Flanger solta um suspiro aliviado.
Tá vendo, Raily? A sua pressa e a sua teimosia quase te botaram cara a cara com a morte novamente.
-- Entre, mocinha, não fique muito tempo aqui fora, pode acabar pegando um resfriado. -- Senhor Flanger diz, entrando na pousada e desaparecendo.
Pego minhas malas e sigo o mesmo caminho que Flanger. A cada passo que dou, o chão de madeira ruía. A pousada, por dentro, era bem acabada, cheia de teias de aranha, a pintura estava desgastada, as paredes cheias de rachaduras, e os móveis empoeirados e sujos.
-- Aqui está a chave do seu quarto. O café da manhã é servido às sete e meia, o almoço às meio-dia e meia, e o jantar às seis da noite. Temos um toque de recolher às sete e meia...
-- SETE E MEIA?! -- Fico perplexa com o horário; geralmente, eu dormia muito tarde.
-- Como já lhe disse, a cidade fica muito perigosa a partir das oito. Não que seja proibido sair, só estou evitando mais assassinatos -- diz o Senhor Flanger, deixando um suspiro longo escapar.
-- Seu quarto fica no quinto andar -- diz Flanger, logo em seguida saindo do cômodo.
-- Vamos lá, Raily, sua vida está começando do zero. Lembre-se.
Começo a subir os degraus infinitos. A cada subida, parecia que estava escalando uma montanha. Com toda certeza, nunca vi uma escadaria tão grande.
Após chegar no andar, procuro o meu quarto; por sorte, não foi difícil. Forço a maçaneta e a porta se abre com facilidade. O barulho da madeira rangendo ecoa por todo o corredor, fazendo o cenário ficar mais macabro.
O quarto não era muito grande; o cômodo era dividido em dois, com uma mini cozinha dividida por uma meia parede, com um fogão, um frigobar e um armário. Ao lado, havia uma cama empoeirada e com teias de aranha, um criado-mudo de madeira e um guarda-roupa de duas portas.
-- Não é tão ruim assim, Raily, não seja tão exigente!
Adentro mais ao cômodo e vejo uma porta de madeira. Forço a maçaneta e vejo que é um banheiro; os ladrilhos com aparência de velho fazem com que o banheiro pareça mais medonho.
Consigo imaginar uma cena de terror nesse banheiro, onde a mocinha é morta por um assassino em série.
Chego perto da janela e vejo que há uma passagem externa, ligando os quartos com escadas de ferro. A vista é adorável de certa forma, mas tenho a convicção de que essa visão à noite seria aterrorizante.
Observo o ambiente e percebo que ele terá que ter um glow up; é impossível sobreviver nessa imundice.
Tranco a porta do quarto e desço. Na escada, vejo um homem parado, olhando para a janela redonda e antiga da estrutura. O rangido da escada acaba fazendo-o prestar atenção na minha presença.
-- Desculpe te atrapalhar. -- Apresso-me, descendo as escadas.
-- Sem problemas, Raily.
Paro no mesmo instante em que meu nome sai de seus lábios. Acabo paralisando e tentando formular uma frase em minha mente; a última coisa que quero é ser grossa com um homem que sabe meu nome.
-- Perdão, o que disse? -- Pergunto. Talvez seja só uma loucura da minha mente.
-- Eu disse "sem problemas, senhorita". O homem esboça um lindo sorriso. Um sorriso de tirar o fôlego.
O homem era muito atraente.
Atraente até demais...
Seu porte era grande, os músculos eram bem visíveis, tudo isso por causa da camisa branca grudada ao corpo. Seu rosto parecia ter sido desenhado pelo deus do pecado; seus olhos eram tão profundos que consegui facilmente me perder neles. Seu sorriso era deslumbrante, aquele sorriso que faria qualquer mulher se apaixonar.
-- Está tudo bem, senhorita?
-- S... Sim. Já vou, perdão. -- Apresso os meus passos, deixando o homem sozinho. Ele fala algumas coisas, mas não é possível escutar.
Entro no meu carro como um furacão. Tenho que procurar o supermercado mais próximo possível para comprar algumas besteiras e produtos de limpeza.
Demorou um pouco para encontrar um mercadinho. Entro e abasteço o meu carrinho com o necessário. Enquanto caminhava pelo mercado, percebo uma movimentação estranha; um sexto sentido me dizia que tinha alguém me seguindo, ou talvez eu só estivesse enlouquecendo, ou realmente há algo nesta cidade que queira me assustar.
Vou até os frios para pegar alguns queijos. Assim que paro de frente para a porta de vidro, vejo um rosto em um capuz preto. O homem usava uma roupa escura, botas de plástico e algum tipo de pano; talvez seja uma capa.
Meu coração dispara com a lembrança do ocorrido mais cedo. Começo a suar frio e a tremer. Sem dúvidas, é o mesmo homem do gato.
Pego o primeiro queijo que vejo e me apresso para sair do mercado. Deixo as coisas em cima do caixa e entrego o dinheiro tão rápido que a atendente se assusta. Corro para o carro e dou partida, cantando pneu.
Sem dúvidas, estou tensa. Tem alguém me perseguindo; alguém está me perseguindo desde o segundo em que coloquei os meus malditos pés nesta cidade.

Sombras do Desejo - Eduarda Araujo Onde histórias criam vida. Descubra agora