A Chegada em Thornewood

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    Caminhei por tanto tempo que nem percebi quando a noite caiu sobre mim. A escuridão se instalou de forma súbita, espessa e opressiva, como um cobertor que sufoca o resto de luz que o céu nublado ainda insistia em oferecer. O mundo ao meu redor se transformou em uma massa indistinta de sombras, onde as árvores agora pareciam vigias silenciosas, com seus galhos secos se retorcendo no ar como garras.
    O ar noturno era denso e frio, carregado com uma umidade que grudava na pele e parecia me envolver em uma prisão invisível. Cada respiração era pesada, como se eu estivesse inalando a própria escuridão. Eu podia ouvir o som dos meus próprios passos, ecoando fracos entre as árvores, mas tudo o mais estava em silêncio, um silêncio tão absoluto que fazia cada pequena folha que caía no chão parecer um trovão distante.
    O vento soprava leve, mas carregava consigo um lamento, um som que se misturava com os sussurros das árvores, tornando a noite ainda mais sinistra. Sentia como se algo, ou alguém, me observasse. O peso invisível dessa presença se fazia sentir a cada passo. A floresta parecia viva, pulsante, e cada sombra se movia à minha volta como se quisesse me engolir.
    Meus olhos vasculhavam as sombras, mas nada aparecia, apenas aquela sensação incômoda de que a escuridão era mais densa do que deveria ser. As folhas secas estalavam sob meus pés, mas o som era abafado, como se até o próprio solo tentasse silenciar meus movimentos.
    A lua, quando finalmente apareceu, estava fraca, mal iluminando o chão à minha frente. O céu era uma cortina de nuvens espessas que não permitiam à luz se espalhar, tornando a noite ainda mais sombria. Meu corpo estava tenso, como se o próprio ar ao meu redor estivesse se fechando, comprimindo cada respiração e me sufocando lentamente. Não sabia o que me esperava mais adiante, mas havia algo na noite, algo que me chamava, me puxava para dentro de suas entranhas escuras.
    De acordo com o que andava, tinha somente uma certeza: que não conseguiria voltar para casa. Nessa altura do campeonato, já estava perdida na floresta. Pego o meu celular e vejo que já são oito e vinte e sete da noite; ou seja, eu estava longe e, ainda por cima, em perigo.
    Enquanto eu caminhava, os pensamentos confusos e pesados na minha mente começaram a se dissipar, sendo substituídos pela única certeza de que estava perdida. A escuridão se tornava cada vez mais intensa, e, num momento de distração, meus pés deslizaram em uma superfície irregular, e eu senti o chão se abrir sob mim.
    Caí em um buraco profundo, o impacto foi brutal, e um grito de surpresa escapuliu dos meus lábios. Meu corpo tombou e rolou, mas não tive tempo para processar a dor que percorreu minhas costelas. Quando finalmente parei, a escuridão me cercava como uma jaula, e a única coisa que conseguia ver era o céu, uma pequena janela de estrelas distante, piscando como se estivessem me observando.
    Tentei me levantar, mas a queda havia me deixado atordoada. As paredes do buraco eram íngremes e cobertas de barro e raízes expostas, escorregadias e traiçoeiras. Eu estava presa, e a sensação de pânico começou a me envolver novamente. A única luz que conseguia ver era a da lua, que parecia zombar de mim lá em cima, longe demais.
    Enquanto olhava para o céu, tentando encontrar um pouco de calma, uma sensação de familiaridade gelada tomou conta de mim. O ar ficou ainda mais pesado, e, por um instante, tive a sensação de que não estava sozinha. O silêncio profundo foi interrompido por um sussurro suave, quase imperceptível, mas que reverberou no meu peito como um aviso.
    Então, com a agonia da minha impotência crescendo, vi uma sombra se projetar sobre a abertura do buraco. A silhueta era familiar e ao mesmo tempo aterrorizante. O homem que havia me assombrado em pensamentos e pesadelos estava ali, acima de mim, contornando a borda. Sua presença era uma mistura de escuridão e uma expectativa maligna, como se ele estivesse se divertindo com a minha desgraça.
    O homem se inclinou ainda mais sobre o buraco, e a luz fraca da lua iluminou sua figura, revelando algo ainda mais perturbador do que antes. No lugar de seu rosto, uma máscara de cabra preta, reluzente e grotesca, cobria-lhe a cabeça. Os chifres curvados se erguiam ameaçadoramente, como se fossem feitos da própria escuridão, tornando sua presença ainda mais sinistra.
    A máscara era detalhada, cada curva e contorno esculpido com precisão, mas era o vazio nos olhos, dois buracos negros sem fim, que realmente me gelou até os ossos. A respiração por trás da máscara era pesada, compassada, e cada som que escapava parecia sair de algo não humano. O brilho fraco da lua fazia os chifres reluzirem como garras de metal, prontas para me rasgar.
   -- Raily... -- Sua voz soou novamente, abafada pela máscara, mas ainda assim carregada de uma malícia que me perfurava como lâminas.
   -- Você se perdeu, mas eu te encontrei.
    Tentei me mover, mas a dor da queda e o pavor que ele causava me paralisaram. A máscara de cabra parecia viva, como se os olhos ocos pudessem me enxergar de uma forma que ia além do físico, penetrando cada pensamento que eu tentava controlar. Ele se inclinou ainda mais, os chifres agora projetando sombras longas e distorcidas ao redor do buraco, enquanto suas mãos se moviam lentamente, como se calculassem o próximo passo.
   -- Não tente fugir, já não há mais para onde correr.
     Senti meu coração disparar. Ele se aproximou um pouco mais, e eu me encolhi, encostando-me na parede fria e úmida do buraco. A ideia de que ele estava ali, tão perto, fez com que a realidade se tornasse ainda mais distorcida. Eu estava trancada em um lugar que parecia fora do tempo, e ele era a única porta para o mundo exterior, mas essa porta era feita de pesadelos.
   -- Você não pode ficar aqui para sempre, Raily. A noite está apenas começando, e eu tenho planos para você.
    A escuridão ao meu redor parecia se espessar, e o céu se tornava uma tela em branco para os horrores que ele estava prestes a pintar.

Sombras do Desejo - Eduarda Araujo Onde histórias criam vida. Descubra agora