A Chegada em Thornewood

1 0 0
                                    


    O ar parece pesar em meus pulmões, como se uma mão invisível estivesse apertando minha garganta, sufocando qualquer tentativa de respirar com normalidade. Meu corpo inteiro treme, cada fio de cabelo arrepiado pela certeza de que algo terrível se aproxima, escondido nas sombras que se alongam nas paredes.
    Fecho os olhos com força, mas a imagem do homem no terraço reaparece com ainda mais clareza: sua figura estática, a faca ensanguentada pingando, seus olhos frios perfurando a distância. Não consigo afastar o pensamento de que ele ainda está ali, observando, esperando, planejando. A ideia de que seus passos ecoam pelo corredor, que a maçaneta do meu quarto gire lentamente a qualquer momento, me faz apertar os lençóis com tanta força que minhas unhas machucam as palmas das mãos.
    Cada ruído na escuridão do quarto parece amplificado, cada estalo e ranger do assoalho soando como um aviso desesperado.
    De repente, um estrondo rompe o silêncio, ecoando pelo apartamento como o estilhaçar de um vidro. O barulho ressoa pelo quarto como um trovão distante, partindo o silêncio em pedaços e fazendo meu corpo saltar em um espasmo de puro pavor. Meu coração acelera tanto que sinto as batidas martelando em meus ouvidos, e um frio cortante percorre minha espinha, como se mãos invisíveis me agarrassem e me puxassem para o abismo. Seguro a respiração, com os olhos vasculhando freneticamente cada canto do quarto, mas tudo está exatamente como antes: imóvel e escuro.
    Ainda assim, algo mudou. O ar parece mais denso, pesado, carregado de uma presença que não consigo ver, mas posso sentir. As sombras se alongam e se distorcem nas paredes, e cada ruído-o farfalhar das cortinas, o ranger do assoalho-parece esconder uma ameaça. Tento me convencer de que foi apenas um som qualquer, talvez o vento ou um objeto caindo, mas a sensação opressiva não diminui. Pelo contrário, cresce como uma maré negra que se aproxima, ameaçando me engolir.
    Meu corpo inteiro está tenso, e sinto as lágrimas queimando nos olhos, mas não ouso piscar, como se qualquer movimento pudesse desencadear algo horrível. O quarto, que deveria ser um lugar seguro, agora parece uma armadilha. Eu sei que estou sozinha, mas a minha mente me diz que há alguém aqui, mesmo que não haja.
    "Se acalme, Raily, não há ninguém aqui; a porta não abriu e a janela está fechada."
    Digo a mim mesma, querendo que esse pavor passe o mais rápido possível. Tudo isso é perturbador, e eu mesma causei tudo isso; eu que fui atrás de toda essa confusão. Minha mente está lutando contra todos esses sentimentos misturados: contra esse medo, esse pavor, esse frio na barriga e a agitação que envolve um sentimento novo. Algo que me deixa eufórica e com pensamentos que vão muito além do que está acontecendo. Já havia sentido esse sentimento, mas nunca pensei que meu corpo iria reagir a essa eletricidade, esse fogo que estava me preenchendo, fazendo com que o pavor fosse embora, sobrando apenas uma pontada de curiosidade e excitação.

    ______________________________________
          Um mês depois...             26/09/2021
   
    As nuvens pesadas se amontoavam no céu, bloqueando qualquer vestígio de luz. O dia parecia afogar-se em uma penumbra constante, como se o próprio sol tivesse desistido de brilhar sobre aquele canto esquecido do mundo. A neblina rastejava pelas ruas estreitas e vazias, envolvendo os prédios antigos com um manto frio e úmido. Cada passo ecoava no silêncio quase opressivo, e o ar era denso com a promessa de uma tempestade que nunca chegava.
    Caminhava sozinha, envolta de um casaco negro que parecia fundir-se com a escuridão ao meu redor. Meus olhos, tão profundos quanto a escuridão, refletiam a melancolia daquele dia que parecia interminável. O vento sussurrava segredos antigos em meus ouvidos, mas eu já não ouvia. Dentro de mim, o vazio que sentia era tão profundo quanto o abismo à minha frente, uma solidão que nenhum toque poderia dissipar.
    As memórias de um amor perdido pesavam sobre seu coração, como as nuvens pesavam sobre a cidade. Cada rua, cada esquina trazia de volta o eco de risos apagados e promessas quebradas. Eu havia amado com uma intensidade que beirava a loucura, e agora, no silêncio desse dia morto, tudo que restava era a sombra de uma obsessão que se recusava a desaparecer.
    Enquanto caminhava sem rumo, meus pensamentos eram interrompidos pelo som distante de passos atrás mim. Um calafrio percorreu minha espinha, mas não me virou. Havia algo de familiar naquela presença, algo que eu reconhecia, mesmo que nunca tivesse admitido. A escuridão me envolvia por completo, e soube, naquele momento, que ele havia voltado. Não em carne, mas em espírito, assombrando-a em cada respiração, cada batida do seu coração vazio.
    O dia nublado, assim como o amor que me destruía, não   oferecia consolo. Apenas a certeza de que a escuridão jamais me deixaria.
   -- Olá, tem alguém aí? -- exclamei, olhando para trás e em volta.
    Estava frio, muito frio...
    Desde o acontecimento do mês passado, o homem mascarado vem me atormentando, trazendo cadáveres de animais e placas com frases tenebrosas. Era como se os gritos na janela o tivessem feito se divertir com o medo escancarado em meus olhos. Desde então, não consegui ter uma noite em paz sem ter a visão de algo macabro.
    Nunca é em um local específico; ele sempre está a me observar. Em cima dos prédios, na janela do quarto, nos becos repletos de neblina, em cada mínimo local, ele estava lá. Durante o dia, ele não me atormentava com surpresas inusitadas; ele apenas seguia os meus passos.
    Esses dias, o senhor Flanger me avisou que um assassino em série estava solto, que ele não era só um assassino, mas também um psicopata doentio. Seu alvo eram mulheres; ele as sequestrava e as mantinha em cativeiro.
    O que me deixava mais perplexa era que a polícia não dava a mínima para essas mulheres. Uma até chegou a aparecer toda machucada; ela estava cheia de cortes e marcas de dedos. De alguma forma, ela se recusou a dizer quem fez isso com ela e onde o assassino a manteve em cativeiro. Ela simplesmente se recusou a falar.
    As árvores me cercavam como sombras retorcidas, estendendo seus galhos nus em minha direção, quase como se quisessem me agarrar, me prender ali para sempre. A floresta era escura, sufocante, e o pouco de luz que ainda restava no céu nublado não conseguia atravessar as copas densas e entrelaçadas acima de mim. O silêncio era absoluto, quebrado apenas pelo som abafado de meus próprios passos sobre o chão macio, coberto de folhas mortas que afundavam sob meus pés.
    O ar estava pesado, úmido, e a névoa rastejava pelo chão, escondendo o caminho à frente. Eu podia sentir a presença de algo ali, nas sombras, algo que me observava. Não era apenas a floresta; havia uma escuridão viva, pulsante, que parecia acompanhar cada um dos meus movimentos. A sensação era palpável, como se eu estivesse sendo seguida por algo que não queria ser visto, apenas sentido.
    Cada árvore que eu passava parecia carregada de dor; suas cicatrizes de tempestades antigas refletiam o que eu carregava por dentro. Aquelas árvores me entendiam, entendiam meu fardo. Caminhar por entre elas era como revisitar cada memória que eu tentava enterrar. E, por mais que tentasse me afastar, por mais que seguisse em frente, sentia que a floresta me puxava mais para dentro, como se quisesse me consumir.
    O solo traiçoeiro me fazia tropeçar de tempos em tempos, as raízes parecendo intencionalmente se erguerem à minha frente. Mas eu continuava. Não havia outro caminho. A cada passo mais profundo, o mundo exterior parecia se distanciar e se desvanecer. Tudo à minha volta era um eco, uma sombra, como se eu estivesse cruzando a linha entre a realidade e o esquecimento.
    Eu sabia, com uma certeza fria e implacável, que não havia retorno. A floresta me chamava, me envolvia, e eu já não sabia se estava fugindo de algo ou caminhando para encontrá-lo.

Sombras do Desejo - Eduarda Araujo Onde histórias criam vida. Descubra agora