Amanda ainda estava sonolenta quando seus sentidos subitamente entraram em alerta, e apesar de fazer um calor considerável e o ventilador do quarto estar trabalhando tanto quanto a turbina de um Boeing, um arrepio gelou a espinha da jovem mulher.
Algo estava errado.
O breu absoluto do cômodo mal revelava qualquer coisa, porém, com ajuda da luz fraca dos postes da rua, que já iluminaram noites melhores, Amanda conseguiu ver uma silhueta prostrada de frente para a parte posterior da cama, a encarando fixamente.
Seus músculos a impediram de saltar para fora do móvel enquanto milhões de pensamentos se formavam na mente confusa e dopada de Melatonina.
"É um abusador? Um psicopata? Sociopata? Paciente mental? Pra invadir a cada de uma mulher no meio da noite, boa pessoa não é"
Depois de 5 minutos que pareceram dias, Amanda reuniu coragem o suficiente para alcançar o botão do abajur.
-Não acenda.
A voz do estranho era profunda e rouca, como se um corvo idoso estivesse tentando imitar a voz humana. Firme, mas não ameaçadora.
Não impediu Amanda estremecer ao ouvir o estranho.
Ela engoliu em seco e tentou responder.-Quem é você?
Silêncio.
Sequer uma movimentação.
-Se não sair vou chamar a polícia.
Após um breve silêncio o estranho retruca. As palavras saem bem articuladas demais, quase robóticas.
-Gosto de observar as pessoas durante seu sono. Não vou lhe fazer mal.
Só então ela percebe que estava travada na posição de alcançar o botão e assume uma posição mais confortável enquanto tenta captar mais detalhes do estranho, o que acabou de tornando uma tarefa quase impossível, tanto pelo breu quanto pela própria figura em si. Ele parecia envolto em sombras.
-Por quê?
O estranho troca de posição e só então Amanda percebe que ele estava de pernas cruzadas.
-Vocês gostam dessa palavra. Indagação. Pergunta. Faz sentido, é o que guia a sua espécie desde que seus antepassados começaram a pegar em pedras.
-Meus...que?
Mais um período de silêncio e aos poucos o medo de Amanda foi sendo substituído por um desconforto que parecia passear por sua pele. Nem sequer os olhos dele eram visíveis.
-Sai da minha casa. Por favor?
O ser não parecia inclinado a obedecer o pedido. Na verdade não parecia nada, sua forma parecia estar em constante mudança.
Após uma longa pausa, quando Amanda fez menção de falar novamente, a voz profunda do estranho retumbou mais uma vez.-Sou quântico.
A mulher travou por alguns segundos.
-Que?
O que pareceu ser um suspiro pode ser ouvido vindo do estranho.
-Pare de me observar e poderei sair.
Amanda não entendeu de início "Isso não faz o menor sentido, como assim ele é quântico? Quem....o que é esse cara? Acho que não custa perguntar né?"
Ela limpou a garganta e procurou novamente fixar a visão no ser a sua frente.-O que é você?
Uma fenda branca semicircular fina apareceu onde Amanda calculou que seria a boca do estranho.
Ele não respondeu, apenas trocou de perna e voltou a cruzá-las.Relutante, Amanda observou a fenda sumir, como se qualquer indício de luz tivesse sequer cogitado em se aproximar daquela silhueta sombria, e fechou firmemente os olhos.
Quando abriu, não tinha certeza se o estranho havia de fato desaparecido, mas a sensação de estar sendo observada havia passado.
Com a dúvida plantada em sua mente, ela alcançou o único herbicida á disposição e ligou o abajur, a luz branca do móvel banhou o quarto vazio, preenchido apenas pela presença de uma Amanda preocupada e confusa.
Ela demorou mais um pouco pra voltar a dormir com toda a adrenalina correndo por suas veias, mas por fim o sono a venceu e ela conseguiu dormir até o dia seguinte.De manhã, Amanda levantou da cama e olhou ao redor. Sem sombra além da dela mesma.
-Tsc, sonho maluco.
Enquanto fazia seu café da manhã, Amanda lembrou de enviar um arquivo importante que havia esquecido no dia anterior. Ao chegar no quarto e procurar por seu celular, embaixo dele estava um cartão preto como piche, com duas palavras gravadas em branco:
Desculpe.
Obrigado.
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Antologias De Uma Mente Ansiosa
RandomJá imaginou uma janela para o multiverso? Ter a oportunidade de contemplar o desenrolar de acontecimentos os quais seriam concebíveis apenas nos seus delírios mais febris? Testemunhar fins e começos ao mesmo tempo tão lindos ou tão trágicos? Não pre...