O barulho de mais um espelho sendo reduzido á cacos no chão joga Vanessa em mais uma noite mal dormida.
A mulher de 40 anos se levanta da cama e resmunga algo incompreensível enquanto se dirige para o banheiro, a luz machuca os olhos dela e os cacos de espelho no chão se provam demais para a ela.
-Qual é, já faz um mês que eu não durmo direito, custa me dar uns dias de férias?
Silêncio.
Vanessa solta um grunhido de insatisfação.
-Além de quebrar meu espelho ainda me ignora, eu sei que você me ouve.
Mais silêncio, porém dessa vez a mulher obtém algum tipo de resposta através de duas batidas fortes na parede do corredor, que fora previamente combinado ser uma representação de "não".
Ela respira fundo, e desce as escadas com passos pesados.
-Já tem mais de três meses que você começou, e há 3 meses que eu tô considerando contratar um padre pra te exorcizar da minha casa...
Ela pega uma folha de papel e uma caneta do armário da cozinha e bate os dois no balcão de pedra.
-Será que dá pra você só... escrever o que você quer de uma vez? Eu não me importo de conviver com um espírito ou poltergeist ou sei lá o que, mas para de quebrar a minha casa, meu salário já não aguenta mais, pode ser?
Silêncio.
E dessa vez não houveram batidas.
Vanessa solta o ar se sentindo derrotada e um pouco louca por estar falando com um espírito assombrando sua casa e sobe as escadas de volta para o quarto.
-Só... pensa sobre tá?
Na manhã seguinte, ao contrário dos outros dias, Vanessa não acorda com nada quebrado, além do espelho claro, e desce as escadas, curiosa e um pouco apreensiva, afinal não sabia se o espírito havia escrito algo ou simplesmente a ignorado. Quem sabe ele tenha desistido de assombrá-la.
Suas esperanças matinais se encontravam rasgadas no balcão.
"Pelo menos a caneta tá inteira" pensou.O que restou do papel apresentava, no entanto, uma tentativa de escrita, mas era tudo tão confuso que absolutamente nada poderia ser compreendido daqueles rabiscos.
Enquanto faz o café ela pensa em como pode se comunicar com o fantasma além de batidas nas coisas.
-Ei, você sabe escrever? Digo, sei lá, lembra como se faz?
Silêncio. Duas batidas.
-Tsc, claro, faz sentido.
O alarme do celular a lembra de que trabalhar ainda é necessário.
-Olha, eu tenho que sair, vou pensar em alguma coisa pra me comunicar com você além de batidas.
Uma batida fraca.
Após se arrumar e chegar ao batente da porta, Vanessa para e olha pra trás.
-Ahn, tenta não quebrar minha casa enquanto isso tá?
Silêncio.
Vanessa suspira e fecha a porta, enquanto caminha para o ponto de ônibus fala para si mesma.
-É Vanessa, você está ficando louca.
Na casa vazia, uma batida é seguida pelos restos do papel sendo levantados, amassados e jogados no lixo.
Ao cair da tarde a mulher volta com a mochila pesada e um sorriso esperançoso no rosto.
-Aí, tá por aqui?
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Antologias De Uma Mente Ansiosa
RandomJá imaginou uma janela para o multiverso? Ter a oportunidade de contemplar o desenrolar de acontecimentos os quais seriam concebíveis apenas nos seus delírios mais febris? Testemunhar fins e começos ao mesmo tempo tão lindos ou tão trágicos? Não pre...