Página 1 - Madrugadas Frias.

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Página 1 - Madrugadas Frias

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Página 1 - Madrugadas Frias.

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Sou amaldiçoado, mas só tomei consciência desse fato quando comecei a me entender como ser existente na terra.

Quando percebi que não era normal como algumas pessoas.

Eu devia ter meus seis anos. E foi no momento em que ao tocar em meu avô, um senhor que estava na casa dos 70 e sem sua esposa há 3 anos, após um longo casamento, veio a falecer em questão de dois dias.

Lembro-me de estar em sua casa passando as férias de verão com meus pais. Era enorme e eu adorava entrar em todos os cômodos procurando por coisas novas. Mesmo sabendo de exatamente tudo.

Porém, no segundo andar, havia apenas uma porta fechada que, às vezes, durante a madrugada, eu acordava com a impressão de escutar alguém cantando e, curioso, me encaminhava até ela.

Os sons paravam na mesma hora, mas passos apressados ressoavam de um lado para o outro lá dentro, e sempre ao questioná-lo o que tinha, quem estava lá, ele respondia que era sua amada.

Seu vazio.
Interno e externo.

Em uma dessas noites, sobretudo, o encontrei no quarto que ninguém nunca podia entrar, cantando a mesma canção, sentado em uma cadeira de balanço de frente para uma porta que pegava no teto ao chão, dando passagem para um varanda com plantas mortas e empoeiradas. Ele segurava um porta retrato com a foto dele e de minha avó no colo, fungando e chorando de saudade.

Vovô estava sofrendo com a perda e, com certeza, nunca superaria.

Quando ele percebeu aquele pequeno ser ao lado dele, com minúsculas mãos geladas acariciando seu braço, prezando para que ele se sentisse bem e não chorasse nunca mais de tristeza, com um pesar que criança alguma deveria suportar, ele sorriu.

E foi um sorriso que em todas as vezes em que pude vê-lo, ele nunca abriu.

Então, vovô me segredou baixinho, de modo arteiro e contente, que naquela madrugada em questão, estava se sentindo muito feliz. Por isso estava chorando. Era um choro de quem estava se sentindo leve.

Duas madrugadas depois, quando estávamos prestes a partir, ele nos deixou antes de o fazermos.

Ele não deu indícios de que estava se sentindo mal. Não reclamou de dores. Jantou conosco como em uma noite qualquer. Assistiu novelas e contou as mesmas histórias de quando era mais novo. Deu boa noite para todos, fez carinho em minha cabeça e fora descansar.

Para sempre.

Lembro que seu enterro foi triste. Triste porque havia apenas eu e meus pais de frente ao seu túmulo e o de sua amada, embaixo de uma forte chuva. Triste porque minha mãe chorou copiosamente pelo pai, que era a única pessoa que ainda restava como parente.

Non Amare | JaywonOnde histórias criam vida. Descubra agora