O pesadelo Vicioso

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A brisa noturna soprava suave, trazendo consigo um silêncio estranho. Raul caminhava por um campo vazio, cercado por árvores distantes, cujas silhuetas se perdiam na escuridão nebulosa. O solo sob seus pés parecia instável, como se cada passo ameaçasse dissolvê-lo em uma realidade frágil e efêmera. Algo o chamava, um som distante, quase imperceptível, como um eco de algo que ele havia esquecido. Não sabia por quê, mas seus pés o levavam em direção ao horizonte escuro, como se uma força invisível estivesse guiando seus movimentos.

Era sempre assim que seus sonhos começavam — uma promessa de paz e calmaria, de encontrar algo que ele não conseguia nomear. No entanto, naquela noite, algo estava diferente. O ar era mais pesado, como se carregasse uma tensão latente, um presságio de algo terrível à espreita. O frio cortava sua pele como lâminas finas, e, à medida que avançava, a sensação de ser observado se intensificava. Um calafrio percorreu sua espinha.

Raul parou abruptamente. Sentiu o olhar de algo ou alguém preso a ele, escondido nas sombras que ondulavam ao seu redor. O vento havia cessado, e o silêncio agora era absoluto, pesado demais para ser natural.

– Quem está aí? – perguntou, a voz saindo rouca, quase sufocada pelo medo crescente.

Nada respondeu, mas a sensação de ser vigiado se intensificou. Ele olhou ao redor, tentando encontrar uma figura, um movimento, qualquer coisa que explicasse aquela sensação. O mundo ao seu redor começou a se distorcer. As árvores se retorciam em formas irreconhecíveis, suas sombras se alongando e criando formas bizarras. As estrelas no céu... começaram a se apagar, uma a uma, deixando um vazio opressor.

Raul começou a correr. Não sabia por quê, mas precisava fugir, precisava escapar daquela presença invisível que parecia segui-lo de perto. Cada passo que dava tornava o cenário mais desordenado, mais sufocante, como se o próprio sonho estivesse se quebrando em pedaços. Mas, por mais que corresse, ele sabia que não poderia escapar.

E então, ele a viu.

No centro de um vasto campo, onde o chão parecia se fundir com o céu escurecido, uma figura solitária se erguia. Seu corpo era indistinto, envolto em sombras que se moviam como fumaça ao vento. Ela não tinha forma definida, mas seu contorno sugeria algo humano, embora estivesse longe de ser apenas isso. Havia algo de divino em sua presença. Uma força esmagadora, como se a própria noite ganhasse vida em sua silhueta.

– Você finalmente chegou... – disse a figura, sua voz suave, mas poderosa, ressoando na mente de Raul, ecoando como o som de um trovão distante.

Ele tentou falar, mas sua garganta estava seca. A paralisia o envolvia agora, como se o próprio medo o tivesse prendido no lugar. Seus pés pareciam cravados no solo, e sua mente, perdida em uma espiral de terror e fascínio.

– Quem... quem é você? – conseguiu perguntar, com a voz tremendo.

A entidade sorriu, ou pelo menos foi o que Raul achou ver em meio à escuridão que a envolvia. Sua presença se expandiu, e o céu acima deles escureceu ainda mais, até que não restasse luz alguma. Agora, o ser diante dele parecia conter o próprio universo em seu corpo. Estrelas piscavam em sua pele negra, como se ele fosse feito da essência do cosmos.

– Eu sou o que você sempre temeu... e o que você sempre quis. – A voz da entidade se transformou em um murmúrio hipnótico, cheio de promessas proibidas. – Nos seus sonhos, você me buscava. Nos seus pesadelos, eu te observava. Agora, você não pode mais escapar de mim.

Raul sentiu seu coração acelerar. Mas, por mais que seu corpo clamasse por fuga, havia algo irresistível naquele ser. A atração era avassaladora, como um ímã que o puxava para o abismo. O pesadelo havia se tornado mais do que apenas um temor... havia se transformado em algo que ele desejava. E essa percepção o aterrorizava ainda mais.

A entidade deu mais um passo, e Raul pôde ver melhor sua pele — ou o que ele achava ser pele. Era como olhar para o cosmos, um manto de estrelas e escuridão sem fim, pontuado por constelações e nebulosas distantes. Ele estava diante de algo que ia além da compreensão humana, uma divindade que carregava o próprio universo dentro de si. E, ao invés de se sentir insignificante perante tal imensidão, Raul sentiu um arrepio de êxtase.

– Eu... eu não posso... – começou a dizer, mas a entidade o interrompeu.

– Você não precisa mais fugir. – A voz dela soava como uma promessa. – Venha, Raul. A eternidade te aguarda.

De repente, o campo ao redor começou a mudar. A grama morta e o céu escuro se dissolviam, dando lugar a um cenário que Raul reconhecia imediatamente: seu próprio quarto. Ele estava deitado em sua cama, os lençóis encharcados de suor, o peito subindo e descendo rapidamente enquanto tentava recuperar o fôlego. A realidade o golpeou com força. Ele estava acordado. O sonho — o pesadelo — havia acabado.

Ou pelo menos, era o que ele pensava.

O quarto estava mergulhado na penumbra, a única luz vindo da pequena fresta entre as cortinas. Algo, porém, estava errado. Ele ainda sentia aquela presença. Mesmo acordado, sabia que não estava sozinho. Raul tentou mover o corpo, mas novamente a paralisia o envolveu. Seu coração disparou. Ele queria gritar, mas sua boca não se abria.

Foi então que ele viu.

Na cadeira ao lado da cama, a entidade estava sentada, imóvel, observando-o. A escuridão que a cercava parecia viva, pulsante. Seus olhos, dois pontos de luz branca, brilhavam na penumbra, fixos nele, como se estivessem à espera de algo.

– Não adianta tentar acordar. – A voz dela era um sussurro que fazia sua pele arrepiar. – Eu estou aqui, Raul. E agora, você não pode mais fugir.

Aquela revelação o atingiu com força. Ele nunca havia despertado de verdade. O pesadelo se arrastava, misturando-se com a realidade, tornando-se indistinguível do mundo desperto. E, estranhamente, Raul não sentia mais o mesmo medo paralisante. Em vez disso, havia algo novo crescendo dentro dele, uma atração inegável, como se a escuridão que o cercava fosse, na verdade, um lar.

A entidade se levantou da cadeira e se aproximou da cama. Raul sentiu a pressão sobre seu peito aumentar, como se uma força invisível estivesse puxando-o para dentro do colchão. Seus olhos estavam fixos nos da entidade, e, pela primeira vez, ele se sentiu pequeno, insignificante, diante daquela presença avassaladora.

Mas também se sentiu... em paz.

– Você nunca precisou sonhar, Raul. Eu sempre estive aqui, esperando. – A voz da entidade era suave agora, quase carinhosa. – E você sempre soube que pertencia a mim.

A pressão sobre seu corpo era insuportável. Raul sabia que estava à beira de um limite, um limiar entre o medo e a entrega total. Ele podia sentir sua mente se fragmentando, o pânico inicial sendo substituído por uma espécie de aceitação. E, naquele momento, a verdade se revelou.

Ele não queria mais acordar.

A realidade havia perdido o sentido. O pesadelo, com toda a sua escuridão, suas promessas e mistérios, era agora o único lugar onde ele queria estar. A figura diante dele não era mais um símbolo de medo, mas de desejo. Um vício. Uma necessidade insaciável.

Raul fechou os olhos, e a escuridão o envolveu completamente.

Entre o Sonho e a EscuridãoOnde histórias criam vida. Descubra agora