Entre o Sonho e a Escuridão

O Primeiro Suspiro da Escuridão

Raul acordou com uma sensação incomum. O que antes era um peso esmagador sobre seu peito, algo que o impedia de respirar e de se mover, agora parecia ter mudado. Ele não se sentia mais tão oprimido, mas também não conseguia chamar aquilo de alívio. Era diferente. Uma sensação mais sutil, algo profundo e silencioso, que ele não podia ignorar.

O quarto ao seu redor ainda estava imerso em sombras. A luz fraca da manhã mal penetrava as cortinas fechadas, e Raul permaneceu deitado por mais alguns minutos, absorvendo o silêncio ao seu redor. Algo estava diferente, mas ele não conseguia colocar o dedo no que era exatamente. As paredes, a cama, o ar... tudo parecia mais... vivo.

Ele se levantou devagar, os pés tocando o chão frio com uma familiaridade desconfortável. Enquanto caminhava pelo corredor, sentiu a presença da entidade, embora ela não estivesse visível. Ela estava lá, ele sabia. Observando, esperando. E, estranhamente, Raul não se sentia completamente sozinho. Ele sentia que aquela presença fazia parte dele agora, como se algo dentro dele começasse a se alinhar com a escuridão que a entidade trazia.

Ao chegar à cozinha, ele notou um detalhe incomum. O café que preparara na noite anterior ainda estava na cafeteira. Não era isso que o incomodava — afinal, isso era comum. O que o deixou confuso foi o fato de que o café estava quente. Mais do que isso, parecia fumegar, como se tivesse acabado de ser preparado. Raul franziu o cenho, mas não pôde evitar um pequeno sorriso. Ele deveria sentir medo, deveria estar alarmado com mais um sinal de que a realidade ao seu redor estava se desfazendo... mas ele não estava.

Ele tomou um gole do café e se surpreendeu com a profundidade do sabor. Era mais intenso do que o normal, como se cada gole o conectasse mais com aquela sensação estranha que ele não conseguia nomear. Um arrepio suave percorreu sua espinha, mas, desta vez, não foi de medo.

Ele estava começando a perceber.

A escuridão que antes o aterrorizava agora parecia quase... acolhedora. Não era mais apenas uma ameaça pairando sobre sua vida; era uma presença constante que, de alguma forma, o fazia sentir-se completo. Ele passou a mão pelo rosto, refletindo sobre essa nova sensação. O que estava acontecendo com ele?

Enquanto terminava o café, Raul olhou pela janela. O mundo lá fora estava normal, pelo menos à primeira vista. As pessoas caminhavam pelas ruas, os carros passavam lentamente, e o dia seguia como qualquer outro. Mas havia algo diferente em como ele percebia aquilo tudo agora. Era como se ele estivesse vendo o mundo através de um novo filtro, uma lente que revelava as falhas sutis na realidade. O brilho suave da manhã parecia menos atraente, e as cores ao seu redor pareciam mais desbotadas. Mas ele não se incomodava. Na verdade, ele se sentia mais confortável nesse estado de desordem silenciosa.

Foi então que ele ouviu o som.

Era sutil, quase imperceptível, mas claramente vindo de algum lugar dentro da casa. Uma respiração lenta e profunda, como o suspiro de alguém que acabara de despertar de um sono longo. Raul ficou imóvel, o coração batendo mais rápido, mas não por medo. Algo dentro dele reagia àquele som com uma curiosidade crescente.

Ele fechou os olhos por um momento, ouvindo o som com mais atenção. Havia algo de familiar nele, algo que o fez lembrar dos momentos em que a entidade se aproximava, envolvendo-o com sua presença. Mas, dessa vez, não havia pavor em seu coração. Pelo contrário, ele sentia uma atração lenta e crescente. Como se aquela respiração, aquele som profundo e constante, estivesse chamando por ele.

Raul deu um passo em direção à sala, onde o som parecia mais forte. Cada passo que dava aumentava a sensação de que ele estava sendo atraído por algo muito maior do que ele, algo que estava além da sua compreensão. E, pela primeira vez, ele não quis resistir. Parte dele queria saber o que estava esperando por ele ali. O que a entidade realmente queria.