Raul estava sentado à mesa da cozinha, observando a xícara de café à sua frente. O vapor subia lentamente, formando espirais no ar antes de desaparecer. Era uma manhã normal, ou pelo menos deveria ser. Ele levantou a xícara e tomou um gole, mas o sabor era estranho — metálico, vazio, como se o café tivesse perdido sua essência. Colocou a xícara de volta na mesa com um leve estrondo, e por um segundo, o som pareceu ecoar de forma exagerada, preenchendo todo o ambiente.
Respirou fundo e esfregou os olhos, tentando se concentrar em algo que trouxesse normalidade, mas isso parecia cada vez mais difícil. A memória dos últimos dias, ou seriam semanas?, estava turva. Ele sabia que algo estava muito errado, mas toda vez que tentava entender, sua mente escorregava em pensamentos dispersos, como se a verdade estivesse sempre um passo à frente, fora de alcance.
O telefone tocou de repente, cortando o silêncio da casa. Raul se levantou com um sobressalto, o coração acelerando. O toque parecia mais alto do que o normal, quase agressivo. Ele olhou para o aparelho, hesitante, e então o atendeu, ainda tentando acalmar a respiração.
– Alô?
– Raul, você está bem? – A voz do outro lado era familiar, mas ao mesmo tempo, distante. Era Clara, sua colega de trabalho. Mas havia algo estranho na maneira como ela falava, como se estivesse lendo um roteiro, sem emoção.
– Sim... eu acho que sim, Clara. Por que pergunta? – Raul tentou soar casual, mas a tensão em sua voz era evidente até para ele.
– Só queria saber... todos estão te esperando para a reunião hoje. – A resposta veio rápida demais, como se ela já soubesse o que ele iria dizer.
– Reunião? – Raul franziu o cenho, tentando se lembrar. Havia algo marcado para hoje? – Eu... acho que me esqueci.
– Não tem problema. – A resposta dela foi calma, mas algo na entonação fez com que Raul sentisse um arrepio na espinha. – Estamos sempre esperando.
A linha ficou muda, e Raul segurou o telefone por mais alguns segundos antes de colocá-lo de volta no gancho. Ele olhou para o relógio na parede, mas, mais uma vez, os ponteiros giravam de forma errática. O tempo estava se desintegrando, como tudo ao seu redor.
"Estamos sempre esperando." As palavras ecoaram em sua mente, ressoando de uma forma perturbadora. Havia algo de profundamente errado com a voz de Clara, algo que ele não conseguia identificar. A naturalidade da conversa parecia... ensaiada, como se ela estivesse apenas repetindo frases que alguém ditava.
Raul tentou afastar o pensamento, vestiu-se rapidamente e saiu de casa. O ar lá fora estava mais frio do que o esperado para aquela época do ano. As árvores balançavam suavemente, mas o vento não fazia som. Tudo estava estranhamente silencioso.
Quando ele começou a caminhar pela rua, sentiu uma presença. Não era apenas a sensação de ser observado, mas como se o próprio ambiente ao redor estivesse atento a cada movimento seu. Ele olhou ao redor, tentando localizar algo fora do comum, mas tudo parecia normal à primeira vista. Pessoas caminhavam pelas calçadas, carros passavam lentamente, e as lojas abriam suas portas.
No entanto, ao observar as pessoas com mais atenção, Raul notou algo que o fez parar no meio da rua. As expressões das pessoas... estavam vazias. Era como se elas estivessem ali fisicamente, mas suas mentes estivessem distantes, como autômatos. Seus movimentos eram mecânicos, sem vida. As conversas que ele conseguia ouvir ao passar eram desconexas, frases curtas, sem significado real, como se fossem palavras jogadas ao vento.
Uma mulher passou por ele, seus olhos vidrados fixos no chão, e por um breve momento, seu rosto pareceu se contorcer em algo grotesco. Um lampejo de uma forma inumana passou por seus traços, e então, tão rapidamente quanto apareceu, desapareceu.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Entre o Sonho e a Escuridão
HorrorRaul sempre encontrou refúgio nos seus sonhos. Nos dias cinzentos da vida, eles eram o único escape para um mundo onde ele podia ser livre. Mas tudo muda quando ele encontra uma entidade sombria, uma divindade que carrega o próprio cosmos em seu ser...