Capítulo 4: Memórias Que Nunca Foram Esquecidas

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A manhã na mansão dos Juízes Albuquerque seguia silenciosa, como de costume. O som dos passos apressados de Brunna ecoava pelos corredores enquanto ela finalizava as tarefas designadas para o dia. Seus olhos estavam atentos a cada detalhe, concentrados em fazer o melhor possível. A mansão, imensa e cheia de cantos desconhecidos, ainda parecia um labirinto para ela, com suas alas raramente exploradas.

Enquanto carregava um cesto de roupas para a lavanderia, Brunna notou uma porta entreaberta ao fundo do corredor. Nunca havia passado por aquele lado da casa antes, e a porta, meio oculta entre as sombras, despertou sua curiosidade. Sabendo que não deveria se intrometer, mas não conseguindo evitar, ela se aproximou devagar.

Com um leve empurrão, a porta rangeu, revelando um quarto. Um quarto que parecia não ser tocado há muito tempo, mas mantinha uma organização impecável. O olhar de Brunna percorreu o ambiente: as paredes em tons suaves, delicadamente decoradas com desenhos infantis. Havia um berço no centro, coberto por um véu branco translúcido. Ao lado do berço, uma cadeirinha de balanço, e em uma prateleira acima, pequenos brinquedos de pelúcia organizados com esmero.

Brunna deu mais alguns passos, os olhos fixos em cada detalhe. A atmosfera do quarto era pesada, impregnada de algo que ela não conseguia definir de imediato. Uma tristeza parecia pairar sobre cada objeto. Seu olhar, então, repousou sobre uma moldura em cima de uma pequena cômoda. Ela se aproximou, hesitante, e viu uma foto de Ludmilla grávida, com as mãos protetoras sobre o ventre.

Um nó formou-se em sua garganta. Ela nunca imaginou que Ludmilla tivesse perdido um bebê, mas agora, diante daquele quarto, de tudo tão perfeitamente preparado, estava claro que algo terrível havia acontecido.

Brunna tocou a moldura com delicadeza, como se qualquer toque pudesse desmoronar o que restava da memória daquela criança. Ao lado da foto, um sapatinho de bebê em crochê repousava, nunca usado.

Antes que pudesse reagir ao turbilhão de pensamentos e emoções que começavam a borbulhar dentro de si, ela ouviu um som atrás de si. Quando virou, seu coração quase parou. Ludmilla estava na porta, o cabelo úmido, vestindo apenas um roupão de banho. Seus olhos estavam fixos em Brunna e, por um breve momento, sua expressão passou da surpresa ao desespero contido.

- O que você está fazendo aqui? - a voz de Ludmilla saiu frágil, mas com uma ponta de dor.

Brunna, assustada, soltou a moldura de volta na cômoda e deu um passo para trás. - Eu... eu sinto muito, senhora Ludmilla... A porta estava aberta e... eu... não sabia... - sua voz tremia.

Ludmilla entrou no quarto, fechando a porta com um movimento lento, como se quisesse selar aquele momento de volta dentro do quarto, longe do mundo exterior. Ela não olhou para Brunna, mas sim para o berço. Caminhou até ele e tocou o véu com delicadeza, seus dedos percorrendo o tecido com a mesma suavidade com que se toca uma memória delicada.

- Este quarto... - Ludmilla começou, a voz baixa, quase um sussurro - ...era para minha filha. Jasmine.

Brunna ficou em silêncio, sem saber o que dizer. Ela apenas observava, sentindo o peso da dor que Ludmilla carregava.

- Eu estava tão animada... - Ludmilla continuou, com os olhos fixos no berço. - Ela seria minha primeira filha. E Xamã estava... - ela hesitou, como se não soubesse exatamente como descrever -... ele estava determinado. Determinado a ter um herdeiro, alguém para dar continuidade ao legado. - A voz dela começou a tremer.

Brunna observou quando Ludmilla abaixou a cabeça, deixando as lágrimas caírem silenciosamente.

- Eu perdi Jasmine quando estava de sete meses - Ludmilla revelou, sua voz falhando de leve. - E desde então, eu perdi... parte de mim.

Brunna sentiu seu coração apertar, uma empatia profunda tomando conta de seu peito. Ela queria dizer algo, qualquer coisa, mas não encontrou palavras.

- Xamã... ele nunca aceitou isso. Ele quer... ele exige que eu engravide de novo. - Ludmilla apertou o véu do berço entre os dedos, como se o estivesse segurando para se manter firme. - Mas eu... eu não consigo. Eu não consigo passar por isso de novo.

Brunna deu um passo à frente, mas parou quando viu Ludmilla se virar, os olhos marejados, mas com um sorriso frágil.

- Jasmine sempre será minha filha. E este quarto... é o que me resta dela.

As duas ficaram em silêncio por um longo tempo. Ludmilla olhava para o berço, enquanto Brunna a observava, sentindo a profundidade daquela dor. Finalmente, Ludmilla respirou fundo, tentando recompor-se.

- Desculpe... você não deveria ter visto isso. - Ela enxugou o rosto rapidamente, como se quisesse apagar as lágrimas que havia deixado cair.

- Eu... eu sinto muito. - Brunna respondeu, sua voz baixa, quase um sussurro. - Eu não sabia.

- Ninguém sabe. - Ludmilla disse, mais para si mesma do que para Brunna. - Eu tento esquecer, mas... às vezes, parece impossível.

Brunna, sentindo que o momento pedia silêncio e respeito, deu um passo para trás, sinalizando que iria sair. - Se precisar de algo... estou aqui.

Ludmilla assentiu, ainda absorta em seus pensamentos, antes de se virar novamente para o berço.

Quando Brunna saiu e fechou a porta atrás de si, o corredor parecia infinitamente mais frio. Ela sabia que havia presenciado algo íntimo, algo profundo, e agora entendia um pouco mais da dor que Ludmilla carregava.

Dentro do quarto, Ludmilla fechou os olhos e permitiu-se, por um breve momento, reviver as lembranças de Jasmine.

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