Capítulo 5: O Peso do Silêncio

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Os dias seguintes foram mais leves para Ludmilla, embora ela não soubesse ao certo o motivo. A conversa com Brunna, no quarto da bebê, havia tirado um peso do seu coração que ela nem sabia ser possível. Pela primeira vez em meses, talvez anos, sentia que tinha compartilhado parte de sua dor com alguém que verdadeiramente se importava. Aquilo a fazia respirar um pouco mais fácil, caminhar pela casa com mais leveza. Mesmo a presença de Xamã, sempre dominadora e sufocante, parecia um pouco menos opressiva.

Mas Xamã, com seu olhar clínico e frio, não demorou a notar essa mudança em Ludmilla. Para ele, qualquer alteração no comportamento da esposa era motivo de suspeita. Naquela manhã de sábado, sentado à mesa do café, ele observava Ludmilla com um misto de curiosidade e desconfiança. O sorriso leve nos lábios dela, a forma como o olhar dela parecia vagar distante e menos carregado de tristeza... algo estava diferente.

- Você está estranhamente tranquila, Ludmilla - Xamã comentou, sem desviar os olhos dela enquanto cortava uma fatia de pão. Sua voz era controlada, mas carregada daquele tom insinuante que Ludmilla conhecia bem demais.

Ela congelou momentaneamente ao ouvir as palavras dele, sentindo o peso de seu olhar sobre si. Ludmilla tentou manter a compostura, mas sabia que ele era perspicaz demais para deixar passar qualquer sinal de mudança. Mesmo assim, ela forçou um sorriso leve, tentando disfarçar.

- Acho que só estou tentando aproveitar um dia mais tranquilo, só isso - respondeu, tentando parecer despreocupada enquanto mexia o café com uma colher.

Xamã continuou a observá-la, seu olhar afiado como uma lâmina. Ele não gostava quando Ludmilla fugia ao controle emocional que ele mantinha sobre ela. Cada movimento dela parecia ser estudado, cada expressão, decifrada. Não era apenas desconfiança; era um desejo possessivo de ter certeza de que ela era completamente dele, em mente e corpo.

- Aproveitando o dia... - ele repetiu, como se ponderasse as palavras dela. - Interessante. E com quem você tem conversado ultimamente? Parece mais leve, mais... relaxada.

Ludmilla sentiu o coração acelerar, mas tentou manter o controle. Sabia para onde aquela conversa estava indo, e sabia que precisava ser cuidadosa.

- Não tenho conversado com ninguém além das pessoas de sempre, Xamã. Talvez seja só o clima mais ameno. Estou tentando não deixar o estresse me consumir - disse ela, desviando o olhar para a janela, como se isso pudesse amenizar a intensidade da conversa.

Ele não estava convencido. Sua mão forte agarrou o braço dela de forma possessiva, obrigando-a a encará-lo.

- Tem certeza, Ludmilla? - Sua voz agora estava mais baixa, quase um sussurro, mas carregada de uma ameaça implícita. - Porque você sabe que eu sou um homem muito cuidadoso. Eu percebo quando algo está fora do lugar, quando você está escondendo algo de mim.

O coração dela batia acelerado no peito, e ela sabia que não podia mostrar fraqueza. Mas o medo de Xamã sempre fazia com que ela recuasse. Ele era como uma força incontrolável, e ela aprendera, ao longo dos anos, a se curvar para sobreviver.

- Eu juro, não estou escondendo nada. Estou apenas... tentando ficar em paz - respondeu ela, sua voz quase suplicante.

Xamã a soltou, mas o olhar dele permanecia frio. Ele deu um longo gole no café, como se estivesse processando o que acabara de ouvir, antes de se inclinar mais próximo dela.

- Se essa paz que você sente não for causada por algo que eu não sei, então vamos manter isso assim. - Sua mão deslizou pelo braço dela até o ventre, e Ludmilla sentiu um arrepio desagradável percorrer sua espinha. - Eu estava pensando... se em uma semana não aparecerem sinais da gravidez, talvez devêssemos tentar de novo. Não quero esperar mais. Quero nosso filho, Ludmilla. E espero que você também queira.

Ludmilla fechou os olhos por um momento, sentindo o peso das palavras dele como um golpe. "Nosso filho", ele disse. Para ele, era apenas uma questão de tempo, de insistência, como se ela fosse um objeto que ele pudesse usar até conseguir o que queria. Mas para ela, a ideia de passar por outra gravidez - especialmente depois de perder Jasmine - era devastadora.

Ela forçou outro sorriso fraco, assentindo. Não podia contrariá-lo naquele momento. Não enquanto ele estava tão desconfiado.

- Sim, claro... - respondeu, a voz frágil. - Eu também quero.

Mas Xamã não era estúpido. Ele percebia as nuances nas respostas dela, os silêncios e os olhares vacilantes. Ele sabia que havia algo mais. E isso o deixava inquieto.

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Mais tarde, Ludmilla subiu para o quarto, ainda tentando processar a conversa. O peso da exigência de Xamã parecia apertar seu peito a cada minuto que passava. Ela não conseguia suportar a ideia de outra tentativa, outro ciclo de esperança seguida de uma possível dor imensurável. As cicatrizes de Jasmine estavam muito frescas, e o luto ainda a consumia silenciosamente.

Quando entrou no quarto, Brunna estava arrumando os lençóis da cama. Ludmilla hesitou por um momento na porta, lembrando-se de sua conversa com Brunna no quarto da bebê. Parte dela queria se abrir novamente, dividir o fardo da conversa com Xamã, mas algo mais profundo a paralisava. A desconfiança de Xamã ecoava em sua mente. Ele sempre sabia, sempre percebia. E a última coisa que Ludmilla queria era que Brunna se tornasse um alvo.

Respirando fundo, ela tomou uma decisão dolorosa. Precisava se afastar.

- Brunna, sobre nossa conversa de ontem... - começou Ludmilla, sua voz fria, distante. Brunna olhou para ela, surpresa, ao ouvir o tom seco que substituía a suavidade anterior. - Foi um erro. Eu não deveria ter falado nada. Isso... não vai se repetir.

Brunna franziu o cenho, claramente confusa com a mudança repentina.

- Senhora... o que você quer dizer? - perguntou Brunna, sua voz cautelosa, sem entender aonde aquela conversa estava indo.

Ludmilla deu um passo à frente, tentando esconder a dor que sentia por ter que dizer aquelas palavras.

- O que quero dizer é que eu amo o Xamã. Ele é meu marido, e nossa vida juntos... é tudo o que eu preciso. Não há mais espaço para esse tipo de conversa entre nós. Foi um erro. Eu sou feliz do jeito que as coisas estão. - Ludmilla disse, mas sua voz traía a verdade, carregada de falsidade que nem mesmo ela conseguia esconder completamente.

Brunna ficou em silêncio por um momento, observando Ludmilla com um misto de descrença e tristeza. Ela sabia que Ludmilla estava mentindo, que aquelas palavras não eram verdadeiras. A dor nos olhos dela era óbvia demais, mas algo - ou alguém - a forçava a dizer aquilo.

- Se é isso que você quer, senhora... - Brunna respondeu, sua voz quieta, resignada. Ela sabia que não podia forçar Ludmilla a se abrir novamente, não naquele momento. - Vou respeitar sua decisão.

Ludmilla assentiu rapidamente, sem olhar para Brunna novamente, como se o simples ato de encará-la a quebrasse por completo. Ela sabia que estava mentindo, que o amor por Xamã havia desaparecido há muito tempo, substituído por medo e submissão. Mas precisava proteger a si mesma e, de alguma forma, a Brunna também. A desconfiança de Xamã já estava acesa, e qualquer erro poderia ser devastador.

Assim que Ludmilla deixou o quarto, Brunna suspirou profundamente. Sabia que algo estava errado, mas também sabia que não podia pressionar Ludmilla agora. Precisava dar espaço a ela. Contudo, em seu íntimo, prometeu a si mesma que não desistiria. Ludmilla não merecia viver daquela maneira, e Brunna sentia que, de alguma forma, poderia ajudá-la a se libertar - mesmo que isso levasse tempo.

Por enquanto, Brunna focaria em suas tarefas, mas não deixaria de observar Ludmilla de longe, esperando o momento certo para agir novamente.

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⏰ Última atualização: Oct 20 ⏰

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