O eco do passado

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A névoa pairava baixa sobre as ruas de Black Hollow, envolvendo a cidade em uma camada espessa de mistério. As luzes dos postes lutavam para penetrar o manto branco que cobria as calçadas, lançando sombras vacilantes nas paredes de tijolos antigos. Dentro do pequeno escritório no terceiro andar de um prédio centenário, Clara Monteiro observava a janela em silêncio. A fumaça de seu cigarro subia lentamente, dissipando-se na luz fraca da lâmpada de mesa, enquanto sua mente vagava por lembranças que ela há muito tentava esquecer.

Clara não gostava de névoa. Não desde aquela noite, cinco anos atrás, quando Rafael desapareceu. Ainda podia sentir o vazio daquela madrugada, quando ele saiu para uma última corrida ao mercado e nunca mais voltou. Sem pistas. Sem despedidas. Somente o silêncio, o frio, e uma carta anônima deixada sobre a mesa.

Ela balançou a cabeça, afastando os pensamentos. Não era hora de reviver fantasmas. O trabalho a chamava, e isso, pelo menos, era algo que ela podia controlar.

- Detetive Monteiro? - a voz grave e educada do Capitão Vasconcelos invadiu o pequeno espaço do escritório, acompanhado por dois toques na porta. Clara apagou o cigarro no cinzeiro abarrotado e fez sinal para que ele entrasse.

Vasconcelos era um homem de poucos sorrisos e muitas palavras. Seu rosto sempre rígido carregava a marca do cansaço de anos de serviço, mas ainda assim, havia uma centelha de respeito entre ele e Clara. Ele fechou a porta atrás de si e se aproximou da mesa dela, entregando uma pasta manchada de café.

- Desaparecimento na noite passada. Isabela Valente, herdeira da família Valente. Você já deve ter ouvido falar. - Ele se sentou à frente dela, cruzando os braços, observando enquanto Clara abria a pasta. - O noivado foi cancelado, claro. Aparentemente, ela saiu para uma caminhada no jardim da propriedade e nunca voltou.

Clara folheou as páginas da pasta, examinando as fotos. Uma mulher jovem, de longos cabelos castanhos e sorriso perfeito, posava ao lado de um homem de aparência distinta. O noivo, presumiu. Clara franziu o cenho, sentindo uma familiaridade desconfortável percorrer sua espinha. Havia algo naquela história que lhe parecia estranhamente próximo.

- Nenhum pedido de resgate? - Clara perguntou, ainda fixada nas fotos.

- Nada ainda. Estamos investigando possíveis inimigos da família, mas os Valente são intocáveis. - Vasconcelos passou a mão pelos cabelos grisalhos, visivelmente incomodado. - Achei que isso seria de seu interesse. Pode não parecer, mas há alguns detalhes no caso que me fazem pensar... bem, que isso pode estar ligado ao passado. Ao caso do Rafael.

O nome de Rafael ecoou pelo escritório como um soco no estômago. Clara fechou a pasta com mais força do que pretendia e encarou o capitão. Seu olhar frio escondia o tumulto de emoções que ameaçava transbordar.

- O que faz você pensar isso? - Sua voz saiu controlada, mas havia uma tensão latente em cada palavra.

- A cena. As circunstâncias. Tem algo... familiar. - Ele hesitou por um segundo, medindo suas palavras. - Acreditamos que esse pode ser um padrão. E você está mais perto desse padrão do que qualquer um de nós.

Clara se levantou, indo até a janela. A névoa lá fora parecia mais densa agora, como se estivesse esperando por algo. Ela sabia que aceitar esse caso significaria revisitar dores que ela enterrara profundamente, mas sabia também que era a única maneira de chegar à verdade - tanto sobre Isabela Valente quanto sobre Rafael.

- Onde a família está agora? - perguntou, ainda de costas para o capitão.

- A mansão Valente, na zona sul da cidade. - Vasconcelos respondeu, levantando-se também. - Estão esperando alguém que possa lidar com isso discretamente. Alguém como você.

Clara respirou fundo, as lembranças e os medos se misturando com a determinação que sempre a impulsionou. Não havia como fugir. Se havia uma chance de conectar os pontos entre o presente e o passado, ela iria até o fim.

Ela pegou o casaco de couro que estava pendurado atrás da porta e colocou a pasta debaixo do braço.

- Diga à família que estarei lá em uma hora. - respondeu enquanto passava por Vasconcelos e saía do escritório.

Naquele instante, Clara sabia que cruzar os portões da mansão Valente seria mais do que apenas investigar um desaparecimento. Ela estaria descendo novamente ao labirinto de segredos, traições e um mistério que se arrastava desde a noite em que Rafael desaparecera.

E dessa vez, ela estava decidida a sair com respostas.

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