Vestígios na névoa

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O jardim da mansão Valente era vasto e bem cuidado, com árvores imponentes que se erguiam como guardiãs silenciosas no meio da neblina. O ar era pesado e úmido, quase sufocante, e a pouca iluminação do lugar fazia com que as sombras dançassem de maneira inquietante. Clara seguia Armando, o mordomo, enquanto seus olhos treinados examinavam cada detalhe ao redor.

- Aqui é onde a senhorita Isabela foi vista pela última vez - disse Armando, parando em um ponto cercado por rosas brancas. - Ela sempre gostou de caminhar por este jardim durante a noite. Era um hábito dela, especialmente quando estava ansiosa.

Clara se abaixou, examinando o chão. O solo estava levemente afundado em alguns pontos, como se alguém tivesse passado por ali recentemente, mas com a umidade e o tempo que já havia transcorrido desde o desaparecimento, era difícil determinar se aquelas marcas pertenciam a Isabela ou a outra pessoa. Ela se levantou, olhando ao redor, tentando imaginar a cena.

- Vocês chamaram a polícia logo após perceberem que ela não voltou - Clara falou, mais para si mesma do que para Armando. - Mas isso me parece... planejado. Não um sequestro qualquer.

Ela caminhou um pouco mais pelo jardim, observando os arredores. A névoa fazia com que tudo parecesse distorcido, como um cenário de pesadelo. Clara parou ao lado de um banco de pedra parcialmente coberto por trepadeiras e flores. Ali, algo lhe chamou a atenção: uma pulseira delicada, parcialmente enterrada no solo.

- Isso pertence a ela? - perguntou Clara, erguendo o objeto com cuidado.

Armando se aproximou, estreitando os olhos para observar a pulseira.

- Sim, senhorita Isabela costumava usar essa peça. Era um presente do noivo.

Clara franziu o cenho, guardando a pulseira em um saquinho plástico. Encontrar algo tão pessoal perto do local de desaparecimento era incomum. Se Isabela tivesse sido levada à força, era provável que o objeto caísse no meio da luta, não ali, de forma quase discreta, como se tivesse sido deixado propositalmente.

- Você estava aqui na noite do desaparecimento, Armando? - Clara perguntou, voltando seu olhar para o mordomo.

- Estava dentro da casa, como de costume, senhora. Depois do jantar, fui para meus aposentos, mas ouvi os gritos da família quando perceberam que Isabela não havia voltado. Fui um dos primeiros a ajudar nas buscas - respondeu ele, sem alterar o tom calmo.

Clara assentiu, mas algo naquela resposta a incomodava. Talvez fosse a postura rígida demais, ou o fato de que todos naquela casa pareciam seguir um roteiro cuidadosamente ensaiado. Ela sempre conseguia farejar quando as pessoas mentiam, ou, pior ainda, quando escondiam a verdade sem mentir.

Ela começou a caminhar de volta para a mansão, deixando que Armando a seguisse em silêncio. Seus pensamentos giravam em torno das pistas - ou da falta delas. O desaparecimento de Isabela parecia mais com um sumiço meticulosamente orquestrado do que um ato impulsivo. Clara sabia que o jardim guardava segredos, mas estava claro que a mansão em si também era uma peça importante do quebra-cabeça.

De volta ao interior da casa, Clara foi conduzida a um pequeno escritório, onde poderia conduzir suas entrevistas com os membros da família. O ambiente era austero, com móveis de madeira escura e livros alinhados meticulosamente em prateleiras. Clara sentou-se atrás da mesa, aguardando o primeiro dos entrevistados: Daniel Ferraz, o noivo de Isabela.

Ele entrou alguns minutos depois, com a mesma expressão controlada que exibia antes, mas seus olhos o traíam. Havia tensão e desconforto ali, sentimentos que ele lutava para esconder.

- Obrigado por vir, Daniel. Podemos começar? - disse Clara, indicando a cadeira em frente à mesa.

Daniel se sentou e cruzou os braços, mantendo a postura firme, mas Clara percebeu que ele estava evitando contato visual direto.

- Quero entender melhor o que aconteceu naquela noite - começou Clara, mantendo o tom neutro. - Você mencionou que Isabela estava tensa antes de desaparecer. Pode me dizer por que ela estava tão preocupada?

Daniel hesitou, seus olhos vagando pela sala antes de finalmente responder.

- Isabela... sempre foi uma pessoa intensa. Tudo precisava ser perfeito para ela, especialmente com o casamento se aproximando. Nos últimos dias, ela parecia mais ansiosa que o normal. Mas, sinceramente, não pensei que fosse algo sério.

Clara inclinou-se ligeiramente para frente.

- Você acha que ela pode ter desaparecido por vontade própria? Talvez fugido de algo?

Daniel balançou a cabeça rapidamente, quase como se a ideia fosse absurda.

- Não. Isabela jamais faria isso. Ela tinha tudo que queria aqui, não havia motivo para fugir.

Clara observou o nervosismo nas mãos de Daniel. Havia mais, ela sabia. E ele estava relutante em compartilhar.

- Daniel, você precisa ser honesto comigo se quisermos encontrar Isabela - disse Clara, suavizando o tom, mas mantendo a firmeza. - Alguma briga? Algo que possa ter causado essa tensão entre vocês?

Ele finalmente soltou um suspiro, passando as mãos pelo cabelo.

- Tínhamos discutido alguns dias antes do desaparecimento. Não sobre o casamento, mas... sobre uma carta que ela recebeu. Isabela estava obcecada com essa carta. Dizia que continha informações que poderiam mudar a vida dela. Ela não me disse o que era, só que... era algo que ela precisava resolver sozinha.

Clara sentiu seu interesse despertar.

- Uma carta? Você sabe quem a enviou?

Daniel balançou a cabeça, com um olhar frustrado.

- Não. Ela se recusou a me contar. Disse que era melhor eu não me envolver.

Clara anotou mentalmente a informação. Uma carta misteriosa, um desaparecimento sem rastros, e agora a pulseira encontrada no jardim. Tudo estava começando a formar um padrão, mas ainda faltavam peças.

- Isso é muito importante, Daniel. Preciso saber o que mais Isabela estava escondendo - disse Clara, com uma calma que escondia sua própria inquietação. - Porque a sensação que eu tenho é que ela estava lidando com algo grande. E, se queremos encontrá-la, precisamos saber o que era.

Daniel a encarou por alguns segundos, como se estivesse decidindo se confiaria nela. Por fim, suspirou novamente.

- Eu... acho que Isabela estava investigando algo sobre a própria família. Ela nunca confiou totalmente em alguns membros. Talvez... tenha descoberto algo que não deveria.

Clara sentiu um arrepio percorrer sua pele. Segredos familiares, uma carta enigmática, e agora um noivo relutante em compartilhar a verdade completa. Algo estava se movendo nas sombras daquela mansão.

E Clara estava determinada a descobrir o que realmente tinha acontecido .

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