22- O peso da decisão

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O calor suave do fim de tarde envolvia minha pele, mas por dentro, o frio da dúvida persistia. O vilarejo à nossa volta parecia um sonho distante, com as pessoas sorrindo e conversando, seus risos ecoando pelas casas simples, como se o mundo lá fora não existisse. Zathor e Ariendel se misturavam entre os aldeões, aceitando o pouco que tinham a oferecer. Eu, por outro lado, estava preso dentro de mim mesmo, refletindo sobre o que havia acontecido.

O controle... ou a falta dele. Durante a luta, algo dentro de mim havia cedido. Senti o poder queimar em minha mente, e antes que pudesse contê-lo, ele se derramou como água rompendo uma represa. A mulher musculosa, com todo o seu ódio e força, observei seus olhos se transformarem em puro terror. Não foi por causa de minha adaga ou meus movimentos de combate. Foi o que fiz com sua mente. Um toque leve, uma fagulha de poder, e ela simplesmente esqueceu como lutar.

O pior de tudo? Foi fácil. Assustadoramente fácil.

Desviei o olhar de Ariendel e Zathor, que agora discutiam algo trivial sobre o gosto do vinho local. Será que eles perceberam? Será que notaram que, por um momento, eu quase perdi o controle de tudo? Não sabia se tinha coragem de perguntar. Eu mesmo estava assustado com a resposta.

O céu começava a se fechar ao nosso redor, o dia lentamente dando lugar à noite, enquanto o vilarejo ficava para trás como uma lembrança distante, envolta em paz. As rodas da carroça avançavam devagar, o som das pedras esmagadas e o rangido dos eixos em sintonia com o vento que balançava as folhas secas das árvores à beira da estrada. O ambiente mudara desde que saímos. As altas gramíneas douradas, os girassóis balançando ao vento e o céu sem nuvens pareciam uma memória vaga, substituídos agora por uma vegetação mais esparsa, misturada com trechos de terra batida e esburacada.

"Esse lugar... não parece o mesmo de antes," murmurei, olhando para a estrada adiante. O vilarejo que deixamos era como um sonho de tranquilidade que começava a se desfazer conforme a paisagem se tornava mais árida.

Zathor, à frente, segurando as rédeas dos cavalos, não disse nada. Sua expressão permanecia impassível, mas conhecendo-o como conhecia, sabia que ele estava atento a tudo. Para ele, qualquer terreno poderia ser uma armadilha, e mesmo os campos mais serenos escondiam ameaças.

Ariendel, sentada ao meu lado na carroça, sorriu suavemente. "A natureza tem seus humores. Mesmo nos lugares mais hostis, há vida pulsando. E é isso que devemos lembrar." Ela estendeu a mão, fazendo um gesto suave, e logo vi o que ela queria dizer. A estrada à nossa frente, antes esburacada e tomada por lama, começou a se transformar. As raízes de plantas subterrâneas se moveram, compactando o solo, enquanto pequenos brotos surgiam ao redor, endurecendo a terra sob os cascos dos cavalos.

"Sempre útil ter uma druida por perto," disse Zathor, com um tom quase seco, mas que carregava uma leveza incomum. Era estranho ouvi-lo assim, quase brincalhão, mas a verdade é que ele parecia mais relaxado desde a última batalha. Quase como se aquela luta contra o hobgoblin tivesse quebrado algo dentro dele, liberando uma parte de Zathor que eu nunca conhecera.

A viagem prosseguiu por horas. As árvores começaram a desaparecer aos poucos, e a estrada de terra se tornou um caminho irregular e árido, coberto por pedregulhos que os cavalos pisavam com cautela. Paramos uma ou duas vezes para comer algo simples: carne salgada, pão duro e vinho barato que compramos no vilarejo. Enquanto mastigávamos, os sons do vento e do ranger da carroça eram nossos únicos companheiros, exceto pelas conversas triviais que preenchiam o silêncio.

"Aquele vinho do vilarejo era uma piada," Zathor comentou entre uma mordida e outra, sua voz carregada de uma ironia que me surpreendeu.

"Pelo menos nos mantêm vivos," respondi, fingindo irritação. "Acho que depois do que passamos, qualquer bebida que não nos mate já é um prêmio."

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