Rivalidade em Jogo

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As arquibancadas estão lotadas, e o ginásio vibra com o barulho das torcidas, o som ecoa por todo o ambiente, uma mistura de gritos, buzinas e aplausos, o calor do lugar, intensificando pelo nervosismo, faz com que gotas de suor já comecem a se formar na minha testa antes mesmo do primeiro saque. Estou no centro da quadra, observando tudo à minha volta enquanto meus colegas de time se posicionam, Rafael, ao meu lado, me dá um leve soco no ombro.

— Relaxa, Gabriel! Esse jogo é nosso, só faz o que você sempre faz. — ele diz, com um sorriso confiante.

Respiro fundo, tentando seguir o conselho, mas meus olhos estão atraídos para o outro da rede, lá está ele, Miguel, com aquela mesma expressão concentrada, os olhos focados no jogo, a postura firme como se já soubesse o que vai acontecer. Ele ajusta a faixa nos pulsos e lança um olhar rápido em minha direção, nosso contato visual é breve, mas carregado de tensão. Ele dá um meio sorriso, daquele tipo que me irrita profundamente, "hoje não vai ser fácil", penso, a tensão entre nós nunca foi tão palpável. Aquele sorriso, a provocação... tudo nele me fazia querer desafiar, e o pior é que, quanto mais ele faz isso, mais eu sinto que preciso vencê-lo. Não é mais sobre o troféu; é pessoal.

O juiz apita, e o jogo começa.

Nosso time está com o saque, Rafael, sempre preciso, se prepara para lançar a bola, o ginásio silencia por um momento, é impressionante como, em segundos, tudo parece diminuir. A bola voa pelo ar, atravessando a quadra em direção ao time adversário, Miguel salta, recebendo o saque com facilidade, fazendo parecer que foi algo simples. Seus movimentos são fluidos, quase como se ele estivesse dançando na quadra.

— Droga — murmuro para mim mesmo, observando enquanto eles preparam a jogada.

O time adversário devolve a bola com uma cortada forte, mas Rafael está lá para segurar, eu corro para me posicionar, e nossa jogada de contra-ataque começa. A bola vai de um lado para o outro, e por alguns segundos, é apenas isso: vôlei puro, meu corpo se move por instinto, cada jogada planejada, cada reação rápida. Mas, mesmo no meio dessa intensidade, meus olhos continuam encontrando Miguel, ele está por toda parte, defendendo, atacando, coordenando o time. E, o pior de tudo, ele está jogando bem demais, em um dos lances, Miguel avança para fazer uma cortada, e eu sei que ele vai tentar me acertar. Seus olhos encontram os meus por alguns segundos antes de saltar, eu corro para me posicionar, esticando os braços para bloquear a bola. O impacto é forte, e sinto a bola bater contra minhas mãos com força, mas ele desvia para fora da quadra.

— Ponto do Miguel! — ouço o locutor anunciar, enquanto o time dele comemora, Miguel, por sua vez, lança mais um daqueles olhares de canto de olho na minha direção, com um sorriso vitorioso.

Engulo em seco, sentindo o gosto da frustração, ele está jogando como se quisesse provar algo, e está conseguindo, a cada ponto que ele marca, minha vontade de vencer cresce, mas também a tensão entre nós. Tento me concentrar no jogo, mas é difícil ignorar a presença dele, o placar já está apertado, e cada ponto é uma luta, nosso time consegue se reorganizar, e finalmente conseguimos cercar alguns pontos seguidos, graças ao saque das estrelas do Rafael e a um bloqueio em cima de Miguel que, para minha surpresa, não conseguiu escapar dessa vez. Sinto o alívio de ter, finalmente, conseguindo vencer uma jogada dele, o olhar que Miguel me lança desta vez é diferente, não é provocador; é algo mais sério, quase desafiador. E isso só aumenta a chama que já estava queimando dentro de mim, mas algo dentro de mim começa a mudar durante o jogo. No começo, era só irritação, só vontade de superá-lo, mas, enquanto os minutos passam, percebo que essa tensão com ele é mais complexa do que eu gostaria de admitir. Ele não é apenas um adversário, há algo sobre a forma que ele joga, como se dedicava ao time, que me faz respeitá-lo, mesmo que eu não queira. O juíz apita novamente, indicando o fim do primeiro set, perdemos por uma diferença pequena, e enquanto voltamos ao banco para beber água, sinto meu corpo vibrar de cansaço e adrenalina. Depois de alguns sets, a parada vai ficar decisiva, e com Miguel do outro lado da quadra, não vai ser nada fácil.

— Não abaixa a cabeça, Gabriel — Rafael me dá empurrão leve enquanto passamos as toalhas no rosto. — A gente ainda está no jogo.

Assinto, mas minha mente está em outro lugar, no meio da quadra, Miguel está conversando com seus companheiros de time, ele se vira por um segundo, e nossos olhos se encontram mais uma vez. Essa rivalidade vai muito além de um simples jogo, é algo me diz que, no final das contas, vencer Miguel pode ser a última coisa que vou querer.

***

As semanas passaram como um borrão de treinos e partidas acirradas, cada jogo foi uma batalha, mas nosso time avançou até o final, e agora estamos aqui, no último set, com o placar em 24 e 23 para nós. Um ponto, só isso, nos separa da vitória, o ginásio está mais lotado que nunca, o som das torcidas, os gritos, os tambores, tudo é um caos, meu coração bate forte, minhas mãos estão suadas, e eu não consigo desviar o olhar de Miguel do outro lado da quadra. Ele está tão ofegante quanto eu, mas seus olhos permanecem fixos em mim, com a mesma intensidade de sempre.

Rafael se aproxima de mim, percebendo minha tensão.

— Só mais um ponto, Gabriel — diz ele, dando um tapa leve nas minhas costas. — A gente treina pra esses momentos.

— Eu sei — respondo, tentando soar confiante, mas a verdade é que a pressão está pesando.

Olho para o placar. Um ponto. Poder ser tudo ou nada.

O apito do árbitro corta o barulho ensurdecedor do ginásio, Rafael se posiciona para o saque, enquanto o mundo ao redor parece desacelerar, ele lança a bola com precisão. O saque é forte, mas o time de Miguel está preparado, a recepção é perfeita, e eu já sei o que está por vir, eles vão jogar a bola para ele, sempre fazem isso. Miguel corre para a rede, os olhos brilhando de determinação, ele salta para fazer uma das suas cortadas perfeitas, e eu também corro, me preparando para bloquear.

— Não vou deixar! — digo para mim mesmo enquanto salto.

O impacto da bola contra minhas mãos é brutal, por um segundo, sinto que não vou aguentar, mas a força do bloqueio é suficiente, a bola ricocheteia para o alto, volta para o lado deles, e eles tentam salvar, mas já é tarde demais.

Rafael, ao meu lado, corre e levanta a bola de volta para mim.

— Vai, Gabriel! — ele grita. — Agora é sua!

Não penso duas vezes, salto com toda a energia que me resta, minha mão encontra a bola, e eu acerto com força, o som da bola batendo no chão do lado deles é alto e seco. A bola quica uma vez e rola para fora da quadra.

Silêncio absoluto.

Eu fico ali, com o braço ainda estendido, ofegante, tentando entender o que acabou de acontecer, o som da torcida e dos gritos de comemoração demora a chegar. Por um breve instante, é como se o mundo inteiro tivesse parado, meu corpo ainda vibra com a adrenalina, mas ninguém parece se mexer. Então, de repente, o ginásio explode em aplausos e gritos, meu time corre em minha direção, me cercando abraçando, comemorando a vitória.

— A gente conseguiu! — Rafael grita, me agarrando pelos ombros. — Você conseguiu!

Sorrio, ainda tentando processar tudo, nós ganhamos, o jogo acabou, o campeonato é nosso.

Mas, mesmo no meio da euforia, meus olhos encontram Miguel, ele está parado do outro lado da quadra, respirando com dificuldade, os ombros caídos. Seus companheiros estão ao seu redor, mas ele não parece ouvir nada, nossos olhares se encontram, e por um segundo, todo o barulho ao redor desaparece. Miguel me encara, e há algo diferente em sua expressão, não é raiva, nem frustração, é... respeito, ele respira fundo e, em um gesto inesperado, acena levemente com a cabeça. Sem pensar, faço o mesmo, não há palavras, mas o entendimento entre nós é claro, a rivalidade, o confronto, tudo culminou aqui. E, de algum jeito, isso mudou algo dentro de mim.

O jogo acabou, mas algo mais está apenas começando.

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