A Noite que Mudou Tudo - PARTE I

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Na manhã seguinte à vitória, cheguei ao colégio e, ao entrar no corredor, fui recebido com aplausos e gritos, era como se eu tivesse feito um gol na final da Copa do Mundo. O clima estava eletrizante. Colegas me cercavam, batendo nas costas, enquanto alguns até levantavam os braços, imitando o gesto que eu fiz ao bloquear a bola de Miguel.

— Gabriel! Você arrasou ontem! — gritou Lúcio, um dos jogadores do time. — Aquela jogada foi épica!

Sorrindo timidamente, eu tentava absorver o reconhecimento. No fundo, não era apenas a vitória que me deixava feliz; era também a sensação de que, de alguma forma, isso mudou a maneira como os outros me viam.

— O que você fez com o Miguel? — brincou Carol, uma das minhas colegas de classe. — Ele estava tão frustrado, parecia que ia explodir!

— Nada, apenas joguei melhor — respondi, tentando não deixar que o orgulho falasse mais alto. Mas a verdade era que a troca de olhares entre mim e Miguel na quadra ainda ecoava na minha mente.

Depois de um tempo recebendo os cumprimentos, finalmente consegui entrar na sala de aula, a professora de literatura, Dona Helena, já estava à espera, pronta para discutir "Vidas Secas", de Graciliano Ramos. Eu me sentei, ainda um pouco envergonhado, mas animado com a conversa.

— Hoje, vamos falar sobre a solidão e a luta pela sobrevivência dos personagens de Ramos — disse Dona Helena, seus olhos brilhando de entusiasmo. — Como vocês acham que isso se relaciona com a nossa vida cotidiana?

Enquanto os colegas compartilhavam suas opiniões, não pude evitar de pensar na conexão entre a solidão dos personagens e a rivalidade que eu sentia por Miguel. Era como se, mesmo em meio a uma competição acirrada, houvesse uma solidão que nós dois compartilhávamos, mesmo que de formas diferentes.

— Gabriel! — a professora chamou, me trazendo de volta à realidade. — O que você acha?

— Ah, eu... — hesitei. — Acho que, mesmo em momentos de competição, a solidão pode nos unir de maneiras inesperadas.

Dona Helena sorriu, aparentemente satisfeita com minha resposta, mas antes que eu pudesse continuar, o sinal do recreio tocou, interrompendo a aula. A sala logo se encheu de movimentação, e eu aproveitei para sair, buscando ar fresco e, quem sabe, uma oportunidade de conversar mais com Miguel. Enquanto caminhava pelo corredor, dei de cara com ele, Miguel estava encostado na parede, conversando com alguns amigos, mas seus olhos logo encontraram os meus.

— Olha quem está aqui, o herói do dia! — ele disse, um sorriso maroto nos lábios. O tom dele era leve, mas havia uma sutileza que me deixou intrigado.

— Não sou herói, só fiz minha parte — respondi, tentando soar indiferente, mas a tensão no ar era palpável.

— Mas você realmente se destacou. — Ele se aproximou um pouco mais, o olhar direto. — Como foi a sensação de ganhar de mim?

— Ah, foi divertido — eu disse, um pouco mais confiante do que esperava. — Mas você sabe que uma vitória não define tudo, certo?

— Claro, mas dá um gosto a mais, não dá? — ele provocou, cruzando os braços. Havia um brilho em seus olhos que me deixava nervoso e curioso ao mesmo tempo.

— Você tá tentando me provocar? — perguntei, tentando manter a compostura.

— Não, só estou admirando o seu talento — Miguel respondeu, mas havia algo mais na sua voz. O tom dele soava divertido, mas também um pouco... desafiador.

— Não sei se você sabe, mas eu também sou bom em provocar — disse, tentando entrar no jogo.

Ele riu, e a química entre nós parecia aumentar a cada momento, a conversa continuava leve, mas havia um subtexto que eu não conseguia ignorar. Miguel estava definitivamente me desafiando, mas havia uma faísca que ia além da rivalidade, quando o sinal tocou novamente, indicando o fim do recreio, eu percebi que estava com mais vontade de continuar aquela conversa do que eu esperava. Miguel estava prestes a se afastar quando ele disse:

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