Capítulo 7: O Desapego e a Provação

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O tempo passava, e Dídimo sentia a transformação acontecer em seu coração, mas ele sabia que ainda faltava algo. A convivência com os mendigos, as visitas à igreja, o contato com pessoas que, apesar de não terem nada material, possuíam uma fé inabalável, o faziam questionar cada vez mais seu apego às riquezas. Havia uma luta interna em seu ser: o antigo Dídimo, o homem arrogante e avarento, ainda existia em algum lugar dentro dele, resistindo às mudanças. Mas o novo Dídimo, aquele que começava a se abrir para a fé e para o amor ao próximo, estava ganhando força.

Uma noite, após mais um dia de visitas à comunidade, ele se viu em frente ao seu cofre novamente. Olhou para as pilhas de ouro e joias que acumulava há tantos anos, e sentiu uma sensação diferente — não de poder, mas de prisão. Tudo aquilo, que antes lhe trazia conforto e segurança, agora parecia uma corrente pesada, que o mantinha preso ao seu passado egoísta. Era como se o cofre fosse o símbolo da sua antiga vida, uma vida que ele não queria mais.

Sentado em uma poltrona próxima, Dídimo começou a refletir sobre o significado de tudo aquilo. O que realmente valia? O que ele estava fazendo com sua vida? Ele se lembrou das palavras do pastor na igreja, que falara sobre o desapego e sobre como as riquezas podiam ser uma barreira para o verdadeiro encontro com Deus. Será que ele estava disposto a se desapegar de tudo?

Enquanto seus pensamentos vagavam, uma batida na porta o tirou de seu devaneio. Era Pedro, um de seus empregados mais antigos, que o servia há anos.

— Senhor, posso entrar? — perguntou Pedro, com um tom respeitoso, mas também preocupado.

— Entre, Pedro, — respondeu Dídimo, levantando-se e acenando para que ele se aproximasse.

Pedro entrou com um semblante sério, como se estivesse carregando uma preocupação profunda. Era um homem simples, mas leal, e Dídimo sabia que podia confiar nele para qualquer coisa.

— Algo está incomodando você, Pedro? — Dídimo perguntou, tentando esconder sua própria inquietação.

Pedro hesitou por um momento, como se estivesse escolhendo bem as palavras.

— Senhor, os outros empregados estão comentando... eles estão surpresos com as mudanças que o senhor tem feito ultimamente. Falam que o senhor não é o mesmo homem que era antes. Muitos se perguntam o que aconteceu.

Dídimo sorriu, mas era um sorriso melancólico. Ele sabia que sua transformação não passaria despercebida. E, de fato, ele não era mais o mesmo homem.

— Pedro, eu tenho pensado muito sobre minha vida... e sobre o que realmente importa, — disse Dídimo, olhando novamente para o cofre. — Todo esse ouro, toda essa riqueza... ela nunca me trouxe verdadeira felicidade. Sempre acreditei que a segurança estava no que possuía, mas agora vejo que estava enganado.

Pedro assentiu, ouvindo atentamente. Sabia que Dídimo estava passando por uma grande mudança, mas não imaginava a profundidade de seus pensamentos.

— Eu quero perguntar algo a você, Pedro, — continuou Dídimo. — O que você faria se tivesse todo esse ouro? O que isso significaria para você?

Pedro ficou surpreso com a pergunta. Ele não esperava ser questionado sobre algo tão íntimo por seu patrão.

— Senhor, eu... não sei, — começou Pedro, hesitante. — Com certeza ajudaria minha família, os amigos que precisam... mas, sinceramente, eu não sei se o dinheiro traria a paz que muitos pensam. Vi muitas pessoas ricas, como o senhor, viverem de forma triste, como se algo sempre faltasse.

Dídimo ficou em silêncio por um momento. A resposta de Pedro ecoava seus próprios sentimentos. Então, ele tomou uma decisão importante.

— Pedro, você está certo. O dinheiro não é o que importa, não realmente. E eu acho que estou finalmente pronto para fazer algo a respeito.

No dia seguinte, Dídimo tomou uma decisão que surpreenderia a todos. Ele convocou uma reunião com seus empregados e os poucos amigos que ainda mantinha contato. Todos estavam curiosos e nervosos, pois sabiam que algo grande estava para ser revelado. Dídimo, porém, estava calmo, como se tivesse encontrado finalmente a clareza que tanto buscava.

— Amigos, — começou ele, olhando para o pequeno grupo reunido em sua casa. — Eu os chamei aqui hoje para falar sobre uma mudança importante em minha vida. Vocês me conhecem há muitos anos, sabem como sempre fui apegado às minhas posses, ao meu dinheiro. E muitos de vocês devem ter notado que, ultimamente, eu mudei.

Os murmúrios de concordância ecoaram pela sala.

— É verdade, eu mudei, — continuou Dídimo. — E essa mudança tem sido o resultado de algo que venho aprendendo nos últimos meses. O que tenho aprendido é que a verdadeira riqueza não está nas coisas materiais. Está nas pessoas, no bem que podemos fazer, no amor que podemos compartilhar. E é por isso que decidi doar grande parte de minha fortuna para ajudar aqueles que mais precisam.

O silêncio que se seguiu foi profundo. Ninguém sabia como reagir. Alguns olhavam para ele com descrença, outros com admiração. Pedro, em particular, parecia estar à beira das lágrimas. Ele sabia que essa decisão era o reflexo de um novo homem.

— Estou falando sério, — disse Dídimo, percebendo o choque no rosto de todos. — Vou criar um fundo de caridade para ajudar os pobres, os doentes, e aqueles que não têm onde morar. Já fiz contatos com líderes da comunidade, e vamos começar a construir abrigos e distribuir alimentos. Sei que para muitos de vocês isso pode parecer uma loucura, mas é a única maneira que vejo de dar algum sentido à minha vida.

Os empregados, antes céticos, começaram a perceber que Dídimo estava falando de coração. Era uma mudança radical, e uma das mais difíceis que ele já enfrentara. O desapego das riquezas era o seu maior teste, mas ele sabia que não havia outro caminho se quisesse realmente ser um homem diferente.

Pedro, com os olhos marejados, foi o primeiro a falar.

— Senhor, nunca imaginei que viveria para ver o dia em que o senhor tomaria uma decisão tão... tão nobre. Se me permite, gostaria de ajudá-lo nessa empreitada. Quero fazer parte disso.

Dídimo sorriu, sentindo um calor no peito que não sentia há muito tempo. Ele sabia que, com pessoas como Pedro ao seu lado, poderia realmente transformar aquela ideia em realidade.

Nos meses que se seguiram, o projeto de caridade de Dídimo começou a tomar forma. Ele vendeu parte de suas propriedades, investiu em alimentos, medicamentos e roupas, e supervisionou a construção de abrigos para os pobres. Aos poucos, sua fortuna foi diminuindo, mas, curiosamente, à medida que o ouro desaparecia, o vazio em seu coração também ia sendo preenchido.

Por mais paradoxal que pudesse parecer, Dídimo sentia-se mais rico agora do que em qualquer outro momento de sua vida. A cada sorriso que via no rosto das crianças que recebiam comida, a cada agradecimento das pessoas que tinham um lugar para dormir, ele sentia que estava finalmente vivendo a vida que deveria ter vivido desde o início.

E assim, o homem que antes era conhecido por sua arrogância e avareza, começou a ser visto como um exemplo de generosidade e compaixão. Mas Dídimo sabia que a jornada não estava completa. Ainda havia muito a ser feito, e sua fé, ainda nova e frágil, seria testada muitas vezes.

O  Homenzinho TortoOnde histórias criam vida. Descubra agora