Os dias seguintes àquela primeira tentativa de generosidade foram profundamente marcantes para Dídimo. Ele havia voltado à sua casa com um novo peso na mente, um peso que não vinha das riquezas acumuladas, mas da clareza que começava a surgir. Pela primeira vez, ele compreendia que sua fortuna não tinha verdadeiro valor se não fosse usada para o bem. A riqueza, antes símbolo de segurança e poder, começava a se revelar como um instrumento para algo maior. Mas o que, exatamente?
Dídimo não perdeu tempo. Na manhã seguinte, chamou seus empregados e começou a organizar uma distribuição de alimentos e roupas. Ordenou que fossem comprados pães, frutas frescas, vegetais, além de medicamentos básicos e roupas de inverno. Fez questão de que tudo fosse da melhor qualidade, algo que jamais teria feito antes. Ele queria dar o que havia de melhor para aquelas pessoas que sempre tratara com desprezo.
Enquanto os preparativos eram feitos, Dídimo sentiu um misto de ansiedade e expectativa. Parte dele ainda lutava contra a ideia de abrir mão de suas riquezas. Sentia que estava entregando pedaços de si mesmo, de sua identidade. Era como se o ouro que ele acumulava estivesse profundamente entrelaçado à sua existência. No entanto, algo mais poderoso o impulsionava a continuar. Ele não podia voltar atrás. Havia tomado uma decisão, e estava determinado a seguir em frente.
No final da tarde, com os carrinhos de suprimentos prontos, Dídimo e seus empregados partiram em direção àquela parte da cidade onde os mendigos se reuniam. O caminho parecia mais familiar agora, mas o peso emocional não havia diminuído. Ele sabia que precisava enfrentar aqueles olhares novamente, provar que sua promessa não era vazia.
Ao chegar, foi recebido com a mesma desconfiança. Os mendigos, que já estavam acostumados a serem ignorados ou enganados por aqueles que viviam em conforto, não tinham muitas esperanças em Dídimo. No entanto, quando viram os alimentos e roupas sendo distribuídos, começaram a perceber que talvez houvesse algo de diferente naquela visita.
O mesmo homem de barba grisalha, que na visita anterior havia questionado a utilidade do ouro, aproximou-se de Dídimo. Sua expressão era menos dura desta vez, mas ainda carregava um certo ceticismo.
— Parece que você voltou, — disse ele, cruzando os braços. — Não esperávamos por isso.
— Eu prometi que voltaria, — respondeu Dídimo, tentando esconder a tensão em sua voz. — E estou aqui para cumprir minha palavra.
O homem deu um leve sorriso, algo que Dídimo não esperava.
— Promessas são fáceis de fazer, mas difíceis de cumprir, — disse o velho. — Mas vejo que você trouxe algo que realmente precisamos. Vamos ver se continua assim.
Dídimo sentiu uma pontada de orgulho ao ouvir aquilo. Era o reconhecimento, mesmo que mínimo, de que ele estava no caminho certo. E isso o motivou a fazer mais. Nas semanas seguintes, ele visitou os mendigos regularmente, levando não apenas comida e roupas, mas também iniciando conversas com eles. Queria entender suas histórias, suas lutas. Cada um tinha um relato diferente de como havia chegado àquela situação de miséria. Muitos eram vítimas de desastres, perdas familiares ou doenças que lhes tiraram tudo. Outros haviam sido arrastados pela vida para aquele estado de abandono.
Em uma dessas conversas, Dídimo se deparou com uma verdade que o abalou profundamente. Enquanto distribuía pão a uma mulher idosa, de olhar sereno e cabelos brancos como a neve, ela o chamou para sentar-se ao seu lado. Dídimo aceitou o convite e, com curiosidade, perguntou-lhe sobre sua vida.
— Eu já tive muito, — começou a mulher, com uma voz suave. — Minha família era rica. Tínhamos terras, propriedades... uma vida confortável. Mas tudo isso acabou quando meu marido ficou doente. Gastei tudo o que tínhamos para tentar salvá-lo, mas ele se foi, e junto com ele, minha fortuna. Fiquei sem nada.
Dídimo escutava atentamente, absorvendo cada palavra.
— Eu perdi tudo o que era material, — continuou ela, — mas ganhei algo muito mais valioso. Quando já não tinha mais nada, descobri a fé. Descobri que, mesmo no meio da maior miséria, podemos ter algo que o ouro nunca pode comprar.
Dídimo sentiu um frio percorrer sua espinha. Aquelas palavras tocaram fundo. Ele, que tinha tudo em termos materiais, havia perdido algo muito mais importante: a fé, a capacidade de acreditar em algo maior que si mesmo. Nunca tinha pensado nisso antes, mas agora, com a presença daquela mulher serena diante dele, percebia o quanto sua vida era vazia. Ele não tinha fé, não tinha Deus em seu coração. Sua riqueza era inútil sem a paz que ela parecia ter, mesmo em meio à pobreza.
— Eu... nunca acreditei em nada além do que posso ver, — disse Dídimo, em um tom confessional.
A mulher sorriu gentilmente e colocou a mão sobre a dele.
— Nem tudo o que é importante pode ser visto, — respondeu ela com sabedoria. — A fé é algo que você sente aqui, — e apontou para o coração. — Não é algo que você compra ou acumula. É algo que você encontra, muitas vezes, quando menos espera.
Dídimo ficou em silêncio, refletindo sobre aquilo. Sua mente viajava por todas as escolhas que ele havia feito até aquele momento. Sempre havia acreditado que o poder e o sucesso estavam em suas posses, em suas conquistas materiais. Agora, estava começando a perceber que a verdadeira força vinha de algo muito mais profundo, algo que ele ainda não entendia completamente, mas que começava a vislumbrar.
Nos dias seguintes, Dídimo passou a frequentar a igreja da pequena comunidade onde os mendigos viviam. Não era um homem religioso, mas algo o impulsionava a estar ali, a ouvir as palavras do pastor que pregava sobre amor, compaixão e fé. A princípio, ele se sentia deslocado, como se aquele lugar não fosse para ele. Mas, aos poucos, as palavras começaram a penetrar sua mente e coração.
Uma passagem da Bíblia que o pastor leu durante um dos cultos o marcou profundamente. Era sobre o encontro de Jesus com o jovem rico, que, apesar de seguir todos os mandamentos, ainda se sentia vazio. Jesus lhe disse para vender tudo o que tinha e dar aos pobres, e então segui-lo. Dídimo sentiu um aperto no peito ao ouvir aquilo. Era como se aquelas palavras fossem dirigidas diretamente a ele. Talvez fosse esse o teste final: ele seria capaz de abrir mão de tudo o que tinha para seguir um caminho de fé?
Dídimo ainda não sabia a resposta. Ele sabia que havia mudado, mas também sabia que a transformação completa ainda estava longe. No entanto, uma coisa era certa: ele não estava mais sozinho. Pela primeira vez em sua vida, sentia que estava buscando algo além de si mesmo, algo que o dinheiro não podia comprar. Algo que, talvez, fosse o verdadeiro brilho que sempre havia faltado em sua vida.
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O Homenzinho Torto
FantasyEra uma vez um homenzinho chamado Dídimo. Ele era baixinho e encurvado, e por isso as pessoas o chamavam de "o homenzinho torto". Dídimo era rico, mas sua avareza e falta de fé o tornavam cego para as necessidades dos outros. Ele zombava dos pobres...