1.

8 1 0
                                    

O luto é uma presença estranha.

Hoje, posso acordar com o suor frio, o coração apertado, porque sei que, daqui a alguns anos, vou me ver ao lado de alguém qualquer, vivendo um amor que não terá seu gosto, e aí, talvez, eu me esqueça de você. Mas amanhã, quem sabe, eu desperte com a mais clara certeza de que é impossível esquecer você. E, sendo sincera, não preciso te apagar da memória para seguir em frente.

É um mistério sentir sua falta assim. Às vezes, nas horas em que a mente prega peças, juro que, ao girar o chuveiro quente, ouço sua voz ecoando pela casa, me chamando. Nos meus sonhos, você é tão vivo quanto era aqui, ao alcance do toque. Nas vigílias da madrugada, eu me convenço de que seu espírito abençoado senta-se na beira da cama, me observando dormir, como um anjo da guarda, guardando um pedaço de paz em meio ao caos.

O luto é estranho, sim, mas talvez seja só uma forma disfarçada de amar.

No silêncio denso, quando a solidão se estende por todos os cantos, eu penso. Penso no meu sonho antigo de partir, de largar tudo e me aventurar por uma cidade desconhecida, onde as ruas não soubessem meu nome. Mas aí veio Michel, e tudo que eu queria era ficar. Abandonei meu sonho como quem larga uma mala pesada na estrada e decide caminhar leve - e, por ele, cada passo valeu.

O dia em que me contaram que ele havia partido, como um sopro, algo em mim se partiu junto. Minha mãe, prática e fria, me olhou com aqueles olhos que pareciam me ver pela metade, e disse apenas: "Agora você pode, enfim, fazer aquela faculdade, não pode?" Ela nunca gostou dele, e o luto, para ela, era só mais uma espécie de frescura, um exagero que pesava ainda mais sobre a casa, já vazia e escura.

E assim eu fiquei, cada vez mais escura, afundando nesse amor que ficou sem lugar para ir, sem quem o escutasse. No fundo, ela não tinha um motivo real para o rancor que sentia por nós dois, mas, mesmo assim, ela me afastava, e, no momento em que mais precisei, tudo que encontrei foi silêncio. Aquela ausência de amparo talvez tenha me tornado mais forte - mas, naquela hora, eu não queria ser forte. Eu só queria ser amada.

E então, fiquei, só. Afundei-me no tom mais escuro do azul, como se pudesse encontrar uma resposta lá embaixo, algum pedaço de mim que fizesse sentido nesse vazio que ficou.

Da opressão silenciosa dessa casa, brotou uma coragem trêmula: a decisão de partir. De deixar essa cidade, de seguir aquele sonho antigo, me reinventar em outra história. Talvez eu não esteja só fugindo dos fantasmas, mas também dos lugares, das esquinas e rostos que me atravessam com a memória do que éramos.

Aqui, tudo parece ter o seu cheiro. Cada rua tem um rastro seu, algo que você amaria ou por onde já passou. Vejo estranhos que, por uma expressão ou gesto, têm algo seu, algo que só meus olhos notam, porque eu sei - eu li seu rosto naquele último adeus, e a cada vez que esbarro nesses fragmentos de você, é como se você estivesse aqui, morrendo mais uma vez.

Sair daqui não é esquecer você, mas talvez esquecer essa dor que teima em ficar.

Faço minhas malas, cuidadosa. Apenas o essencial, e em meio a tudo, levo nossos retratos, seus recados, nossas lembranças, guardadas na bolsa de mão. Porque, se um acaso me levar - se me perder de mim mesma em algum lugar estranho - que me encontrem assim, com a bolsa apertada ao peito, para que saibam que aquela garota fria ainda pertencia a alguém. Que, de algum modo, mesmo partindo, ainda te pertencia.

E, estranhamente, me vejo aqui, fantasiando acidentes trágicos, como se ainda precisasse provar ao mundo que há um lugar dentro de mim onde você sempre estará.

Agora, sentada no banco frio do aeroporto, com as mãos inquietas, sinto que algo finalmente se solta dentro de mim, uma faísca de esperança, um eco de tudo o que deixei para trás. Vou cursar medicina - vou me tornar alguém que salva, alguém que resgata. Porque naquela noite, ninguém soube te trazer de volta, ninguém conseguiu recuperar o pulsar frágil do seu coração. E eu, mesmo sabendo que não estava lá, guardo uma certeza cega, quase cruel: se fosse eu, talvez eu pudesse ter te salvado.

Lembro-me de uma frase que ouvi, perdida em uma música, quase sussurrada, como uma verdade antiga: "Qual é o peso da culpa que carrego nos braços?" E, mesmo sabendo que não havia nada que eu pudesse ter feito, a culpa é um rio que corre em mim, lento e inescapável, me convencendo de que, em algum universo, eu falhei. Invento cenas, repasso gestos que nunca fiz, crio uma história onde minha ausência se torna culpada.

E, assim, me deixo afundar nesse azul profundo, nesse azul pesado que, a cada pensamento, se torna mais escuro, mais denso, mais impossível de escapar. E de repente não luto mais - apenas me entrego, me afogo na profundidade do que fomos e do que nunca seremos, enquanto sinto a culpa me puxar para o fundo, como se, lá embaixo, eu pudesse encontrar você de novo.

ei, saudades. Onde histórias criam vida. Descubra agora