Confronto de Silêncios

3 1 3
                                    

A noite se aprofundava, e o silêncio preenchia a casa como um manto pesado. Aelyn, exausta depois de um dia inteiro de trabalho, ainda sentia em seu peito a estranheza de estar ali. Movida por um impulso que mal entendia, decidiu explorar a casa, buscando no silêncio das paredes algo que pudesse aliviar o peso em seus ombros.

Ela vagou pelos corredores escuros até se deparar com uma porta entreaberta. Lá dentro, um pequeno abajur estava aceso, lançando uma luz suave sobre um ambiente simples, porém acolhedor. Havia uma poltrona antiga, surrada, e uma estante com livros cuidadosamente dispostos. Em uma mesinha ao lado da poltrona, repousava uma xícara com marcas de café, como se alguém tivesse passado ali recentemente. Na parede, um quadro com uma paisagem solitária completava a cena.

Aelyn sentiu uma atração inexplicável pelo ambiente. Era como se tivesse tropeçado em um refúgio dentro daquela casa, um lugar que parecia exalar algo mais profundo, como se as paredes guardassem silêncios e memórias. Sem perceber, deu mais um passo para dentro, perdida nos detalhes daquele espaço tão diferente do resto da mansão.

Mas então, um som suave e ritmado de saltos ecoou pelo corredor. Aelyn se virou, e a figura de Maraisa surgiu na porta, parada, os olhos dela fixos e sombrios. A presença de Maraisa enchia o cômodo de uma maneira que imediatamente sufocava qualquer ar de aconchego que a sala pudesse ter. Seus olhos brilharam com uma frieza cortante, como se a visão de Aelyn naquele lugar fosse uma invasão pessoal, um rompimento de algo sagrado.

— O que você pensa que está fazendo? — A voz de Maraisa era baixa, mas carregada de uma tensão que denunciava a irritação contida.

Aelyn tentou recuar, as mãos tremendo levemente. Não queria ter invadido nada, mas agora estava ali, diante de um olhar que parecia perfurar todas as suas camadas. Ela murmurou, com a voz trêmula, um pedido de desculpas.

— Eu... eu só estava olhando. Não sabia…

Maraisa permaneceu imóvel, mas sua expressão endureceu ainda mais. Esse não era apenas um cômodo qualquer – era seu espaço. Um lugar que raramente alguém via, onde guardava seus momentos mais íntimos, suas pausas e pensamentos mais secretos. E agora, aquela garota, uma estranha que mal conhecia, estava ali, espreitando algo que não a pertencia.

— Olhando? — A palavra saiu com um desprezo evidente, a voz de Maraisa baixa e ameaçadora. — Pessoas como você não devem entrar aqui.

Cada sílaba foi um golpe, e Aelyn sentiu-se afundar. Sabia que não deveria estar ali, mas a forma como Maraisa a desprezava a fazia sentir-se ainda mais insignificante, uma intrusa que nunca deveria ter cruzado aquela porta. Aquele cômodo não era feito para alguém como ela, era um santuário de Maraisa, e sua presença ali era uma profanação. Ela sentiu uma onda de humilhação e vergonha, mas algo a manteve imóvel, recusando-se a mostrar qualquer sinal de fraqueza.

Maraisa deu mais um passo, o rosto uma máscara de frieza impenetrável, e ordenou:

— Saia. Agora.

Aelyn, engolindo o orgulho ferido e a humilhação que latejava em seu peito, assentiu e saiu, desviando o olhar. Enquanto se afastava, sentiu o peso do olhar de Maraisa até desaparecer no corredor, a sensação de inadequação queimando em cada passo.

Quando Maraisa ficou sozinha, fechou a porta, restaurando o silêncio daquele cômodo que era só dela. Esse era o único lugar onde podia deixar cair as máscaras que usava, onde permitia que suas defesas se dissolvessem, ainda que nunca completamente. Mas agora, mesmo ali, aquele silêncio tão precioso parecia contaminado pela presença de outra pessoa.

Aelyn, de volta ao quarto que lhe haviam designado, afundou no colchão, finalmente deixando que as lágrimas que havia segurado escorressem pelo rosto. Durante toda a noite, ela chorou em silêncio, o peito pesado e oprimido, perguntando-se por que tudo parecia tão difícil, por que a vida a machucava tanto, sem descanso. Sua mente girava em círculos, se perguntando o que havia feito para merecer tanta dor, tanta solidão.

Conforme as horas avançavam, a exaustão a tomou, mas mesmo em seus sonhos, era perseguida por aquele vazio frio, que parecia sempre lembrá-la de que, para pessoas como ela, o mundo era um lugar que não oferecia consolo.

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Oct 28 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

Ecos Do PassadoOnde histórias criam vida. Descubra agora