O Último Sacrifício - Parte 01

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Lucas não voltava ao vilarejo há mais de quinze anos. Durante esse tempo, tentou, sem sucesso, apagar da memória os eventos daquela noite – o ritual, os rostos pálidos dos amigos, os gritos que ecoaram no vazio, até que o silêncio tomou conta. Agora, guiado apenas pelas luzes fracas de seu carro e o som da chuva no para-brisa, ele retornava ao que antes chamava de lar.

A estrada sinuosa que levava até o vilarejo parecia mais estreita, engolida por árvores centenárias cujas copas se fechavam, bloqueando o pouco de luz da lua que ainda restava. O cheiro de terra molhada e folhas apodrecidas preenchia o ar. Cada curva da estrada trazia de volta lembranças – algumas vagas, outras intensamente nítidas, como flashes de uma câmera quebrada que insiste em capturar imagens distorcidas. O som do motor parecia lutar contra o silêncio sufocante da noite, como se algo na estrada quisesse mantê-lo distante.

À medida que se aproximava da entrada do vilarejo, Lucas notou algo estranho: uma série de cruzes de madeira ao lado da estrada. Eram rústicas, feitas com galhos secos, e fincadas no solo de maneira improvisada, como se fossem lápides de um cemitério improvisado. As cruzes o acompanhavam até o começo do vilarejo, onde a estrada de asfalto se transformava em uma trilha de pedra irregular e coberta de musgo.

Quando finalmente chegou ao centro do vilarejo, Lucas se deparou com um cenário que parecia congelado no tempo, mas não no sentido de nostalgia: as casas de madeira pareciam abandonadas, as janelas quebradas, as portas escancaradas, rangendo com o vento que passava. Não havia uma alma viva à vista, e o único som que ecoava era o barulho distante de folhas sendo arrastadas pelo chão, como se algo estivesse caminhando nas sombras, escondido.

Ele parou o carro em frente à casa de sua mãe. As luzes do poste da rua piscavam fracamente, lançando sombras estranhas sobre a fachada da casa. O jardim estava tomado por ervas daninhas e trepadeiras que cobriam parcialmente a porta de entrada. Ao sair do carro, Lucas sentiu uma presença, algo invisível e denso que o observava de perto, embora ele estivesse completamente só.

Com a mão tremendo, ele girou a maçaneta da porta, que se abriu lentamente, soltando um rangido agudo, como um grito abafado. Lá dentro, o cheiro era de mofo e umidade, misturado a algo que ele não conseguia identificar – algo podre, mas sutil. As paredes estavam cobertas de manchas escuras, e havia pegadas secas de lama espalhadas pelo chão, levando ao corredor. As pegadas pareciam de botas, mas algo nas marcas o fez hesitar; estavam deformadas, como se quem as tivesse feito arrastasse algo pesado.

Ao explorar a casa, Lucas sentia o peso das memórias voltando. Cada canto escuro parecia carregado de lembranças enterradas à força, e cada som parecia amplificado no silêncio absoluto que o rodeava. Ele entrou no quarto da mãe, onde a cama estava impecavelmente arrumada, o que lhe pareceu estranho, considerando o abandono que cercava todo o restante da casa. Sobre o travesseiro, havia um bilhete amarelado e desgastado.

Ao pegar o bilhete, as palavras escritas com uma caligrafia quase ilegível estremeceram Lucas até os ossos:

"Eles estão aqui. Não abra a porta."

O bilhete estava assinado apenas com a inicial "M", mas ele sabia que era de sua mãe. Um arrepio gelado percorreu sua espinha, e ele sentiu seu coração disparar. O que ela quis dizer com "eles estão aqui"? E por que pediu para que ele não abrisse a porta?

No exato momento em que se fazia essas perguntas, Lucas ouviu um som vindo da entrada da casa, um leve arranhar, como se algo ou alguém estivesse tentando entrar. Ele olhou para o bilhete novamente, sentindo um calafrio, enquanto o som continuava a ecoar, ficando cada vez mais alto e insistente.

Lucas permaneceu imóvel por alguns segundos, com o bilhete apertado em sua mão. O som na porta de entrada se tornava mais intenso, um arranhar ritmado e constante. A respiração dele se acelerava, e o silêncio se tornava ainda mais opressor. Parecia que a própria casa pulsava, cada sombra parecia viva, cada canto, um esconderijo para algo que o espreitava.

Crônicas Assustadoras - Além da Meia-NoiteOnde histórias criam vida. Descubra agora