Parte IV

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Foi só durante o inverno do ano seguinte que Izuna pareceu finalmente levar a sério a voz em seu inconsciente.

Acometido por uma gripe severa, consequência do tempo rigoroso em que viviam na estação, Butsuma lutava pela própria vida, prostrado em sua cama. E como consequência disso, por precisar direcionar seus cuidados ao pai, Hashirama não mais apareceu.

Nem nas manhãs antes de ir para a universidade, visto que não estava indo desde a doença do pai, nem nos fins de tarde ou à noite.

E à medida que Butsuma perecia, Madara também pereceu.

Os pesadelos voltaram a tornar-se frequentes, ocasionando em gritos agoniados e assustadores durante as madrugadas, como uma alma a derreter-se no fogo do inferno. Os balbucios então tomaram força, tornando-se mais altos, até que se tornaram sussurros e frases mais altas enquanto Madara circulava a esmo pela sala, os cabelos já há muito desgrenhados pela falta de cuidado e também por suas mãos inquietas que remexiam os fios sem cuidado algum, por vezes torcendo-os com força excessiva, arrancando-os de seu couro cabeludo.

— Você também não gosta do meu cabelo? — Foi o que Madara perguntou, a voz em uma espécie de lamento infantil que quebrou o coração de Izuna quando lhe pediu para pentear-lhe após dias de sofrimento a observar o irmão a agredir a si mesmo com os próprios cabelos.

Engolindo o choro que quis sair no momento em que o compreendeu ao lembrar-se de seu falecido pai e sobre o que este dizia a respeito do cabelo do irmão, Izuna sorriu doce.

— Eu amo o seu cabelo desde que éramos crianças, você se lembra disso, certo?

Desde então, em todas as tardes foi permitido que Izuna escovasse os cabelos do irmão, desde que os mantivesse soltos, sem a asquerosa e repressiva trança de sua infância. Em uma dessas vezes, no entanto, Izuna conseguiu finalmente entender algo por trás dos sussurros insistentes de Madara.

— Não, não, você sabe que foi você quem fez isso! Eu... Eu não queria! Não, não, não! Vai embora!

— Irmão? — A escova restou parada no topo da cabeça de fios desgrenhados.

Parecendo extremamente assustado, Madara pulou do tapete da sala onde estava sentado, tapete este em que despertou no dia em que seu pai amanheceu morto. Seus olhos já profundos pareciam buracos negros quando ele gritou, o tom miserável de pura súplica ao segurar as mãos do irmão sentado na cadeira a sua frente:

— Precisa ir embora daqui, Izuna! Precisa ir embora daqui, já!

O caçula suspirou.

— Madara, está tudo bem, eu não vou a lugar algum. — Garantiu, as mãos retribuindo ao aperto do irmão.

— Não, precisa sair! Hoje... A... Agora! — Os lábios sem cor tremiam em soluços incontidos. — Você... Você vai morrer se ficar aqui!

Os olhos compreensivos de Izuna diziam que ele entendia, mas a cortina por trás dos olhos de Madara não permitiu que enxergasse.

Ou talvez fosse porque o cego ali não era exatamente o irmão mais velho.

— Irmão, me escuta! — Ele foi mais assertivo ao apertar a mão que ainda o segurava. Ao notar que Madara recuou, porém, certamente num reflexo adquirido pelos anos de abuso, voltou a suavizar a voz: — Eu sei o que aconteceu naquele dia, e eu compreendo você. Ele ia acabar te matando se você não o fizesse parar. Ele precisava parar e você o parou. Foi isso, não significa que vá fazer isso novamente...

— Não, não fui eu! Eu juro! — Madara retrucou antes mesmo que Izuna pudesse concluir tudo o que queria dizer, tamanho o seu desespero em provar o seu ponto.

Ao seu lado, olhos brilhantes e sádicos observavam a interação dos dois irmãos. Ele então cruzou os braços e sorriu irônico, certamente adivinhando a próxima fala naquele diálogo.

— E quem foi? — As vozes foram ouvidas em uníssono por Madara. A de Izuna num tom preocupado enquanto a dele, contrastando com a sua voz infantil, no mais puro e cruel deboche.

— Saia daqui! — Ele gritou para o antigo amigo.

— Diga à ele, Madara. Diga ao seu irmãozinho quem foi que matou o seu pai! — Desafiou, o tom de voz tornando-se mais sádico a cada sílaba, como se a frase fosse uma iguaria na qual pudesse saborear.

— Não! Não! Izuna! Você tem que ir embora! Por favor, irmão!

— Mestre mandou... — A voz infantil cantou.

— Não! Por favor! Izuna!

Mas o problema dos irmãos caçula, no geral, é que eles nunca obedecem. Nunca. E isso se prova desde o fatídico episódio das bolinhas de papel no início de nossa narrativa. Por isso, se torna até um pouco redundante dizer que Izuna, de fato, não foi embora.

No entanto, como julgá-lo em uma situação como esta? Quem deixaria o próprio irmão naquelas condições, afinal?

Ao invés disso, naquele fim de tarde o caçula optou por acalmar o irmão, alimentando-o, e por fim colocando-o na cama após convencê-lo a tomar uma das pílulas prescritas por Hashirama. E finalmente suspirou aliviado quando viu a expressão de Madara abrandar-se pouco a pouco, até que estivesse relaxado o suficiente para que dormisse em meio aos cobertores macios, caindo num sono profundo.

Izuna ainda lhe velou o sono por horas, já que era ainda muito cedo, munido de um dos exemplares que costumava rasgar quando criança. Enquanto lia, ouvia lá fora o vento a assobiar de forma fantasmagórica, sombrio, e o caçula sorriu no momento em que sentiu um arrepio na nuca que associou, erroneamente, ao frio.

Foi somente quando seus olhos finalmente cederam, fazendo seu corpo quase cair da cadeira, é que Izuna se recolheu, alheio a uma terceira presença no cômodo quando o deixou, não sem antes dar um beijo na testa de seu irmão.

E no mesmo momento em que os olhos de Izuna se fecharam, seu corpo descansando em meio aos travesseiros em sua cama, os de Madara se abriram, vidrados.

Ao seu lado, uma voz infantil canta alegremente:

— Mestre mandou...

Mestre Mandou (Hashimada - Desafio de Halloween)Onde histórias criam vida. Descubra agora