Nossa história se inicia durante as férias escolares, período de muita euforia para qualquer outra criança do bairro, certamente, a não ser pelos irmãos Uchiha.
Não desde que perderam a sua mãe, ao menos.
Obrigados a passar seus dias em casa na companhia de seu genitor pouco paciente para com os filhos, sofriam constantemente abusos, em especial o mais velho, Madara, tanto pelo fato de ser o mais rebelde quanto por colocar-se muitas vezes na frente do irmão mais jovem de modo a protegê-lo da ira do pai.
Naquela tarde não foi diferente.
Orientados a ficar em silêncio enquanto liam algum dos inúmeros livros dispostos na grande biblioteca, os meninos de nove e sete anos, respectivamente, logo se sentiram entediados, como havia de se esperar de qualquer outra criança em sua faixa etária. O primeiro a desistir foi Izuna, uma expressão arteira em seu rosto no instante em que o fez, arrancando uma página do livro que lia num movimento displicente.
— Zuna, não! — Madara o advertiu em tom baixo, mas de nada adiantou.
O caçula apenas arrancou folhas e mais folhas até que parecesse satisfeito com o tamanho da bolinha de papel que formava com as suas pequenas mãos rechonchudas, típicas da idade. Ao finalizar o seu trabalho, as bochechas cor de rosa se inflaram de forma orgulhosa e ele atirou a bolinha no irmão, que riu incrédulo, mas logo se rendeu à brincadeira, devolvendo ao atirar no caçula.
A brincadeira logo tomou proporção, de modo que já riam alto e corriam alucinados pelo grande cômodo, chamando a atenção de Tajima, que não demorou a chegar após praguejar no cômodo ao lado, onde largou seu copo de whisky na mesa de centro.
O cabelo rebelde de Madara, normalmente preso por ordens de seu pai, que o achava volumoso demais para estar solto, já havia se soltado completamente da trança bem feita de outrora, de modo que alguns fios lhe caíam pelo rosto infantil.
E foi por ele que Tajima o puxou antes de estapear-lhe o rosto.
— Mas o que você pensa que está fazendo, seu moleque? — A voz grossa e que por si só já era capaz de amedrontar a ambas as crianças, quando naquele tom ameaçador apenas serviu para deixá-los ainda mais temerosos.
Izuna logo se encolheu debaixo da mesa, mas Madara não teve a mesma sorte, visto que já tinha um dos braços preso pela mão grande de Tajima, que o arrastava à um destino cujo a criança já sabia e temia: O armário de limpeza. Não havia iluminação alguma ali, sem janelas ou qualquer outra fonte de luz, de modo que as crianças eram constantemente castigadas ali por terem medo do escuro.
— Não, papai, por favor! Eu prometo me comportar, não me deixe aqui! — O garotinho implorava choroso.
Tomado pela cólera que se refletia em sua expressão transtornada e tonalidade rubra em seu rosto, o pai não só ignorou o pedido como também lhe desferiu alguns tapas fortes onde alcançou antes de finalmente jogá-lo no chão com um chute forte.
— Peça perdão a Deus pelos seus pecados, criança imunda! — Foi tudo o que disse antes de trancar a porta.
No escuro e desesperado, Madara chutou e esmurrou a porta enquanto gritava, implorando que Tajima o tirasse dali, no entanto, ele nunca veio. Naquela tarde de verão, enquanto muitos se divertiam lá fora como crianças normais, Madara chorou até dormir, e já era noite quando a criada teve permissão para tirá-lo de lá.
Desde que perdera a esposa para uma doença fatal, Tajima Uchiha sucumbiu à bebida, de modo que estava sempre alterado. Uma das consequências disso era descontar suas frustrações frequentemente nos filhos com uma série de abusos que só faziam piorar com o passar do tempo.
Por isso, sem que soubesse, aquele seria o seu último verão na companhia de Izuna. Seu irmão tivera a sorte de ser resgatado por uma tia e levado daquele ambiente hostil. E Madara se sentiu feliz por ele, mesmo que não fosse levado junto sob a desculpa de que "alguém teria de fazer companhia ao seu velho pai", conforme ouvira da própria tia ao preteri-lo.
Sim, alguém teria de ficar para trás e servir como saco de pancadas, foi o que ela certamente quis dizer.
Em consequência disso, os castigos que antes já lhe eram destinados com muito mais frequência tornaram-se ainda mais comuns, já que era agora o único filho restante.
O único a sofrer os abusos.
Único a ser jogado naquele quarto escuro.
Naquele quarto escuro, Madara foi jogado várias vezes durante aqueles anos. Naquele quarto escuro, Madara aprendeu sobre a solidão em seu estado mais puro. Naquele quarto escuro, Madara conheceu o desespero.
As paredes eram testemunhas não só do abuso sofrido, mas também de sua solitude, de seu choro, de seu desespero.
Assim como a ausência de luz ali, sua esperança era também apagada, engolida pelas trevas na medida em que suas lágrimas secariam até que alcançasse um estado de quase apatia, onde seus olhos cediam e ele finalmente encontrava a paz em seus sonhos.
O corpo infantil encolhido no chão de madeira se abraçava com força durante o rigoroso inverno, onde o vento impiedoso se fazia presente mesmo onde a luz do dia não se fazia, como se seguisse o exemplo do pai em maltratá-lo, mas o frio era o menor dos seus problemas. O frio era, na verdade, apenas um indicativo de que ainda estava vivo, apesar de tudo, que não sucumbira à exaustão extrema.
Durante o seu castigo, em meio ao choro, a criança por muitas vezes recorreu às suas orações. Era o que de certa forma lhe acalentava o coração, mesmo que parcialmente. Numa dessas vezes, enquanto sentia sua garganta arder num choro sofrido após mais uma surra, Madara pediu que não se sentisse mais tão sozinho, que pudesse ter Izuna consigo, mesmo que tal desejo fosse de certa forma egoísta.
Ele sabia que não conseguiria mais seguir em frente sozinho, não naquela casa de medo.
Foi quando ouviu aquela voz pela primeira vez.
E Madara agradeceu a Deus por não estar mais sozinho, por finalmente ter um amigo.
Desde então, mesmo os castigos já não são tão ruins. Madara agora tem Ele, e a presença da outra criança já é suficiente para que não se sinta tão só.
O choro por trás da porta do quarto escuro aos poucos tornou-se riso, brincadeiras. Por vezes contavam histórias um para o outro ou apenas se abraçavam e dormiam até que fossem libertos do castigo, já outras, brincavam de mestre mandou, o que se tornaria a brincadeira favorita dos garotos.
A brincadeira consistia em uma espécie de ordem emitida pelo "mestre", que era sempre interpretado por Ele. Era uma ótima forma de distração durante os impiedosos castigos, uma fuga da realidade tão cruel na qual estava inserido desde tão pequeno, e Madara era grato por isso.
Ele era o único a compreendê-lo, o único a fazer-lhe companhia, era quem estava lá em seus piores momentos, quem o acalentava. E Ele permaneceu. Ao contrário de Izuna, era Ele quem lhe oferecia toda a sua lealdade, carinho e amizade e em troca lhe pedia apenas uma coisa: Que jamais revelasse a sua existência para qualquer um.
E assim foi feito, num acordo selado por um ingênuo sorriso infantil e um aperto de mão.
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Mestre Mandou (Hashimada - Desafio de Halloween)
Terror"Eu sou Uchiha Madara e essa é apenas mais uma das histórias que eternizam momentos de uma vida cujo eu não gostaria de me recordar, tampouco ter vivido, mas que infelizmente vivi. A história de como eu perdi tudo." Fanfic escrita para o desafio de...